A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL AINDA É ABSOLUTA?

Desde os primórdios da Lei nº 11.101/05, a discussão que sempre se instaurou é sobre a competência exclusiva do Juízo que conduz a recuperação judicial sobre os bens que envolvam o patrimônio da Recuperanda.

Qual crédito se submete ao stay period? É possível penhorar bem essencial e bem de capital quando o crédito for extraconcusal? E depois do término do stay period posso levar por exemplo, o parque fabril da Recuperanda para leilão? Quem é o juízo competente para deliberar sobre atos de constrição e expropriação após o stay period?

Após diversas discussões, a jurisprudência do C. STJ trilhou o seguinte entendimento: mesmo após decurso do stay period, mesmo com créditos extraconcursais, cabe ao Juízo da recuperação judicial a competência de deliberar sobre atos de constrição e expropriação que recaiam sobre o patrimônio da Recuperanda, veja:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ARRESTO DETERMINADO POR OUTRO JUÍZO EM BENS CONSIDERADOS ESSENCIAIS PELO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO RECUPERACIONAL. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Segunda Seção, “há absoluta convergência, entre doutrina e jurisprudência, que, em conformidade com o princípio da preservação da empresa, o juízo de valor acerca da essencialidade ou não de algum bem ao funcionamento da sociedade cumpre ser realizado pelo Juízo da recuperação judicial, que tem acesso a todas as informações sobre a real situação do patrimônio da recuperanda, o que tem o condão, inclusive, de impedir a retirada de bens essenciais, ainda que garantidos por alienação fiduciária, da posse da sociedade em recuperação (art. 49, § 3º, da LRF)” ( CC 153.473/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/05/2018, DJe 26/06/2018). 2. Nessa linha de entendimento, compete ao Juízo da Recuperação das suscitantes decidir sobre a essencialidade das sacas de milho, bem como acerca da definição de sua propriedade, como, de fato, foi feito, cabendo, a partir daí, a impugnação da parte contrária pelos meios recursais próprios. 3. Agravo interno desprovido.(STJ – AgInt nos EDcl no CC: 169116 MA 2019/0321521-9, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 16/03/2021, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 24/03/2021)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL, EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AÇÃO DE DESPEJO. DESAPOSSAMENTO DO IMÓVEL EM QUE DESEMPENHADA A ATIVIDADE EMPRESARIAL. RECONHECIMENTO DA ESSENCIALIDADE DO BEM. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO NO QUE CONCERNE. 1. “Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, compete ao juízo da recuperação judicial a análise acerca da essencialidade do bem para o êxito do processo de soerguimento da empresa recuperanda, ainda que a discussão envolva ativos que, como regra, não se sujeitariam ao concurso de credores.” ( AgInt no CC 159.799/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/06/2021, DJe 18/06/2021) 2. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.(STJ – AgInt no REsp: 1784027 SP 2018/0321880-3, Data de Julgamento: 06/06/2022, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/06/2022)

RECURSO ESPECIAL. 1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA POSTA 2. STAY PERIOD. NOVO TRATAMENTO CONFERIDO PELA LEI N. 14.112/2020. OBSERVÂNCIA. 3. DELIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA DELIBERAR A RESPEITO DAS CONSTRIÇÕES REALIZADAS NO BOJO DAS EXECUÇÕES INDIVIDUAIS DE CRÉDITO EXTRACONCURSAL, SEJA QUANTO AO SEU CONTEÚDO, SEJA QUANTO AO ESPAÇO TEMPORAL. AFASTAMENTO, POR COMPLETO, DA IDEIA DE JUÍZO UNIVERSAL. 4. DECURSO DO STAY PERIOD (NO CASO, INCLUSIVE, COM A PROLAÇÃO DE SENTENÇA DE CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL). EQUALIZAÇÃO DO CRÉDITO EXTRACONCURSAL. INDISPENSABILIDADE. 5. RECURSO IMPROVIDO, CASSANDO-SE A LIMINAR ANTERIORMENTE DEFERIDA.1. Controverte-se no presente recurso especial se, uma vez exaurido o prazo de blindagem estabelecido no § 4º do art. 6º da Lei n. 11.101/2005, a execução de crédito extraconcursal – a qual não se suspende – tem sua tramitação totalmente normalizada, afigurando-se descabida, doravante, a subsistência da restrição prevista na parte final do § 3º do art. 49 da LRF e/ou da de qualquer outra providência exarada pelo Juízo da recuperação judicial destinada a obstar o regular prosseguimento da aludida ação, tal como compreendeu o Tribunal de origem. A questão posta há de considerar, necessariamente, os novos contornos dados pela Lei n. 14.112/2020, que, por expressa determinação legal, tem incidência imediata aos processos pendentes, respeitados, naturalmente, os atos processuais já praticados. 2. Especificamente sobre o stay period, a Lei n. 14.112/2020, sem se afastar da preocupação de que este período de esforços e de sacrifícios impostos [por lei] aos credores não pode subsistir indefinidamente, sob o risco de gerar manifesta iniquidade, estabeleceu que o sobrestamento das execuções de créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial (com vedação dos correlatos atos constritivos) perdurará pelo “prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal”.2.1 A lei estabelece a possibilidade de o período de suspensão perdurar por até 360 (trezentos e sessenta) dias. É importante registrar, no ponto, que todos os prazos que gravitam em torno do stay period, para a consecução dos respectivos atos processuais foram mantidos tal como originariamente previstos, ou seja, passíveis de serem realizados – não havendo nenhum evento extraordinário – dentro dos 180 (cento e oitenta) dias incialmente estipulados.2.2 O disposto no inciso Ido § 4º-A do art. 6º da LRF é claro em acentuar que as suspensões das execuções dos créditos submetidos à recuperação judicial e dos prazos prescricionais e a proibição dos correlatos atos constritivos “não serão aplicáveis caso os credores não apresentem plano alternativo no prazo de 30 (trinta) dias, contado do final do prazo referido no § 4º deste artigo ou no § 4º do art. 56 desta Lei”. Por consequência, o inciso IIdo § 4º-A assinala que o sobrestamento das execuções dos créditos submetidos à recuperação judicial, bem como dos correlatos atos constritivos, persiste durante esse prazo de 30 (trinta dias), dentro do qual o plano de recuperação judicial dos credores deve ser apresentado, caso em que este período de blindagem subsistirá pelo prazo de 180 dias, contados do término do prazo de 180 dias iniciais ou de sua prorrogação, caso não tenha ocorrido a deliberação do plano pela assembleia de credores; ou contados da própria deliberação que rejeitou o plano apresentado pelo devedor. 2.3 O novo regramento ofertado pela Lei n. 14.112/2020, de modo expresso e peremptório, veda a prorrogação do stay period, após a fluência desse período máximo de blindagem (de até 360 dias), estabelecendo uma única exceção: a critério exclusivo dos credores, poderão, findo este prazo sem a deliberação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor; ou, por ocasião da rejeição do plano de recuperação judicial, deliberar, segundo o quórum legal estabelecido no § 5º do art. 56, a concessão do prazo de 30 (trinta) dias para que seja apresentado um plano de recuperação judicial de sua autoria. 2.4 Diante dessa inequívoca mens legis – qual seja, de atribuir aos credores, com exclusividade, findo o prazo máximo de blindagem (de até 360 dias), a decisão de estender ou não o stay period (com todos os efeitos jurídicos daí advindos) – qualquer leitura extensiva à exceção legal (interpretação que sempre deve ser vista com reservas) não pode dispensar a expressa autorização dos credores a esse propósito. 2.5 Em conclusão, a partir da nova sistemática implementada pela Lei n. 14.112/2020, a extensão do stay period, para além da prorrogação estabelecida no § 4º do art. 6º da LRF, somente se afigurará possível se houver, necessariamente, a deliberação prévia e favorável da assembleia geral dos credores a esse respeito, seja com vistas à apresentação do plano de recuperação judicial, seja por reputarem conveniente e necessário, segundo seus interesses, para se chegar a um denominador comum no que alude às negociações em trâmite. Ausente a deliberação prévia e favorável da assembleia geral dos credores para autorizar a extensão do stay period (além da prorrogação estabelecida no § 4º do art. 6º da LRF), seu deferimento configura indevida ingerência judicial, apartando-se das disposições legais que, como demonstrado, são expressas nesse sentido.3. Com o advento da Lei n. 14.112/2020, tem-se não mais haver espaço – diante de seus termos resolutivos – para a interpretação que confere ao Juízo da recuperação judicial o status de competente universal para deliberar sobre toda e qualquer constrição judicial efetivada no âmbito das execuções de crédito extraconcursal, a pretexto de sua essencialidade ao desenvolvimento de sua atividade, exercida, inclusive, depois do decurso do stay period. A partir da vigência da Lei n. 14.112/2020, com aplicação imediata aos processos em trâmite (afinal se trata de regra processual que cuida de questão afeta à própria competência), o Juízo da recuperação judicial tem a competência específica para determinar o sobrestamento dos atos de constrição exarados no bojo de execução de crédito extraconcursal que recaíam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o período de blindagem. Em se tratando de execuções fiscais, a competência do Juízo recuperacional restringe-se a substituir os atos de constrição que recaíam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial.3.1 A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (por ocasião do julgamento do REsp 1.758.746/GO) e, posteriormente, a Segunda Seção ( REsp 1.629.470/MS), na via recursal propugnada (no julgamento do CC 153.473/PR), adotou o posicionamento de que a avaliação quanto à essencialidade recai unicamente sobre bem de capital, objeto de garantia fiduciária (ou objeto de constrição). Caso não se trate de bem de capital, o bem objeto de constrição ou o bem cedido ou alienado fiduciariamente não fica retido na posse da empresa em recuperação judicial, com esteio na parte final do § 3º do art. 49 da LRF, apresentando-se, para esse efeito, absolutamente descabido qualquer juízo de essencialidade. Em resumo, definiu-se que “bem de capital” a que a lei se refere é o bem corpóreo (móvel ou imóvel), utilizado no processo produtivo da empresa recuperanda, e que, naturalmente, encontre-se em sua posse.3.2 A competência do Juízo recuperacional para sobrestar o ato constritivo realizado no bojo de execução de crédito extraconcursal restringe-se àquele que recai unicamente sobre bem de capital essencial à manutenção da atividade empresarial – a incidir, para a sua caracterização, todas as considerações acima efetuadas -, a ser exercida apenas durante o período de blindagem.4. Uma vez exaurido o período de blindagem – sobretudo nos casos em que sobrevém sentença de concessão da recuperação judicial, a ensejar a novação de todas as obrigações sujeitas ao plano de recuperação judicial – é absolutamente necessário que o credor extraconcursal tenha seu crédito devidamente equalizado no âmbito da execução individual, não sendo possível que o Juízo da recuperação continue, após tal interregno, a obstar a satisfação de seu crédito, com suporte no princípio da preservação da empresa, o qual não se tem por absoluto. Naturalmente, remanesce incólume o dever do Juízo em que se processa a execução individual de crédito extraconcursal de bem observar o princípio da menor onerosidade, a fim de que a satisfação do débito exequendo se dê na forma menos gravosa ao devedor, podendo obter, em cooperação do Juízo da recuperação judicial, as informações que reputar relevantes e necessárias.4.1 Deveras, se mesmo com o decurso do stay period (e, uma vez concedida a recuperação judicial), a manutenção da atividade empresarial depende da utilização de bem – o qual, em verdade, não é propriamente de sua titularidade – e o correlato credor-proprietário, por outro lado, não tem seu débito devidamente equalizado por qualquer outra forma, esta circunstância fática, além de evidenciar um sério indicativo a respeito da própria inviabilidade de soerguimento da empresa, distorce por completo o modo como o processo recuperacional foi projetado, esvaziando o privilégio legal conferido aos credores extraconcursais, em benefício desmedido à recuperanda e aos credores sujeitos à recuperação judicial. O privilégio legal é conferido não apenas aos chamados “credores-proprietários”, mas também a todos os credores que, mesmo após o pedido de recuperação judicial, em valoroso voto de confiança à empresa em dificuldade financeira, manteve ou com ela estabeleceu relações jurídicas creditícias indispensáveis à continuidade da atividade empresarial (aqui incluídos os trabalhadores, fornecedores, etc), sendo, pois, de rigor, sua tempestiva equalização.5. Recurso especial improvido.(STJ – REsp: 2057372 MT 2021/0037216-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 11/04/2023, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/04/2023)

No entanto, recentemente, o E. TJSP nos autos do agravo de instrumento de nº2303427-92.2023.8.26.0000 decidiu que a competência do Juízo da recuperação judicial limita-se a suspensão de atos constritivos em execuções de créditos extraconcursais que incidem sobre bens de capital essenciais às atividades empresárias, mantendo assim, o pedido de leilão de imóvel pertencente à Recuperanda.

De fato, não podemos acionar o Princípio da Preservação da Empresa a todo custo. No entanto, é justo ou razoável que outro juízo que não saiba como está o processo de recuperação judicial, no tocante à cumprimento do plano, fluxo de caixa, faturamento, demais processos, entender por bem em determinar o leilão de um imóvel que nem se tem a ideia de que é ou não essencial às atividades empresárias? E se a Recuperanda estivesse no meio de uma negociação para incremento do seu faturamento e precisasse onerar esse único bem como forma de garantir seu fomento? E se esse bem fosse usado para pagamento de Credores Trabalhistas?

A única pessoa que tem essas informações é o Juízo Recuperacional. Ele é capaz de avaliar qual medida é menos onerosa à Recuperanda! Ele sim, deve ser consultado!

O juízo da recuperação judicial, consegue avaliar o caso concreto e determinar se é mais benéfico para a sociedade empresária se há penhora de ativos financeiros ou penhora de faturamento! Cada caso é único.

A competência do juízo da recuperação judicial não é para blindar todos os bens da empresa Recuperanda, mas sim, deliberar o que é mais benéfico, considerando o bem MAIOR, manutenção da atividade econômica e social.

Dessa forma, é necessário ponderar as medidas tomadas sobre bens que envolvam patrimônio da Recuperanda, porque isso afeta todo o deslinde do processo, inclusive todos os seus Credores e a função da atividade empresária.

Nathália Albuquerque Lacorte Borelli. Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP. Pós-graduada em Gestão e Estratégia Empresarial na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Pós-graduada em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Membro da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/ Campinas. Membro do Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial – CMR. Membro da IWIRC – Brasil. Membro da Comissão de Direito Bancário – nathalia@ygadv.com.br