A recuperação judicial prevista na Lei 11.101/2005 garante às empresas e aos produtores rurais em crise a possibilidade de reorganizar suas atividades, preservando os bens indispensáveis ao funcionamento da operação.
Isso faz com que a essencialidade dos bens exerça papel central, determinando quais ativos não podem ser retirados do patrimônio do devedor durante o período de blindagem conhecido como stay period, previsto artigo 6º e 49, §3º da LREF. A lei cria uma proteção e impede a expropriação de bens de capital essenciais, preservando máquinas, imóveis operacionais.
Na obra “Lei de Recuperação de Empresas e Falência”, o doutrinador Manoel Justino Bezerra Filho[1] sustenta que bens adquiridos por meio de alienação fiduciária, arrendamento mercantil ou cláusula de reserva de domínio devem ser considerados essenciais ao exercício da atividade empresarial.
Segundo o autor, esses itens são incorporados ao patrimônio da empresa justamente para atender às necessidades do seu funcionamento cotidiano, o que os torna essenciais, sobretudo em um contexto de recuperação judicial.
Entretanto, vale ficar atento, uma vez que o stay period não é uma blindagem eterna, tendo prazo de 180 dias, prorrogável por igual período.
A legislação e a jurisprudência sao uníssonas no sentido de permitir que o pedido de reconhecimento da essencialidade seja apresentado a qualquer momento enquanto o stay period estiver vigente.
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. ACLARATÓRIOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. NOVO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BENS ESSENCIAIS. SUSPENSÃO DURANTE O STAY PERIOD. 1. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes para tornar sem efeito o acórdão que não conheceu do agravo em recurso especial sob a tese de ausência de impugnação dos fundamentos da decisão de admissibilidade. Reconsideração da decisão da Presidência. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, ‘Os bens alienados fiduciariamente, quando integram a atividade essencial da empresa recuperanda, devem permanecer com o devedor durante o período de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei 11.101/2005. Esse entendimento, contudo, não altera a natureza do crédito que recai sobre os bens alienados fiduciariamente, cuja propriedade permanece do credor fiduciário e, portanto, não sujeito à recuperação judicial. O efeito jurídico decorrente, portanto, é apenas o de impedir a consolidação da propriedade fiduciária em favor do credor durante esse período’ (EDcl no AgInt no AREsp n. 1.700.939/GO, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, 4ª TURMA, julgado em 29/11/2021, DJe de 15/12/2021). 3. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para reconsiderar a decisão da Presidência a fim de conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial.” (EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.137.027/MT, relator Ministro Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 3/4/2023.)
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AGRAVANTE.”
Claro que importante asseverar que a essencialidade se refere à proteção ao bem, e em casos excepcionais, pode ser requerida inclusive após o stay.
Diante dessa realidade, cabe ao juízo da recuperação judicial analisar, com rigor técnico, a efetiva vinculação funcional de cada bem à atividade empresarial, assegurando que apenas os ativos comprovadamente essenciais permaneçam protegidos, em observância ao princípio da preservação da empresa.
Em situações dessa natureza, a avaliação jurídica deve ser conduzida com cautela e profundidade, razão pela qual é sempre recomendável que as partes envolvidas busquem assessoramento de advogado especialista em recuperação judicial e insolvência, a fim de garantir a adequada defesa de seus direitos e a correta interpretação dos limites legais aplicáveis.
[1] Bezerra Filho, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Comentada artigo por artigo. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2025.
Louise Annye Barbosa Braga. Bacharela em Direito, formada pela Faculdade Integradas Campos Salles.


