Desde a recente reforma da Lei nº 11.101/2005, que ocorreu via Lei nº 14.112/2020, foi iniciado movimento nos Tribunais de Justiça, especialmente no de São Paulo, de retomada da exigência das Certidões Negativas de Débito Tributário para possibilitar a homologação de Planos de Recuperação Judiciais (“PRJ”) aprovados.
É certo que nenhuma sociedade empresária deve se abster de cumprir com suas obrigações, sejam elas tributárias, trabalhistas, das suas relações privadas, enfim, todas as que são inerentes ao exercício de sua atividade. Todavia, existem exceções para toda regra, uma vez que a própria Fazenda excede a LRF.
A Recuperação Judicial se trata de instituto voltado à preservação da atividade empresária economicamente viável, é um fato certo e de que não existem dúvidas. Para tanto, é concedido um prazo para que sejam suspensas as ações e execuções existentes contra a parte devedora que, durante esse lapso temporal, deve apresentar os seus meios de superação da crise e as formas de pagamento aos seus credores.
No entanto, também é certo que nem todos os credores são sujeitos a esse instituto e parte deles são as Fazendas, detentoras de créditos tributários, os quais são excluídos das consequências desse procedimento de soerguimento. Logo, podem se valer das medidas processuais adequadas para reaver os valores vencidos e não pagos, diferentemente dos demais titulares de créditos que só podem ser pagos na forma estabelecida e aprovada no PRJ.
Portanto, a regularização de créditos – que não podem ser negociados da mesma forma que os demais – como condicional para a homologação da aprovação da renegociação, se mostra uma medida completamente desproporcional e que prejudica não só o devedor, mas também todos os credores que transacionaram e participaram do processo recuperacional.
Tanto que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento de pedido liminar feito em sede da Reclamação Constitucional nº 43.169, ajuizada pela União Federal, tratou o caso como ausente de repercussão, colocando que a intenção do julgador, no caso a Ministra Nancy Andrighi, ao conceder Recuperação Judicial sem a exigência das CND, foi de viabilizar o meio menos oneroso ao devedor, uma vez que a regra do art. 57 da Lei nº 11.101/2005 colide frontalmente com a do art. 47 do mesmo texto legal.
Esse comando não foi muito divulgado, porque logo depois passaram a valer todas as alterações feitas na LRF e, na sequência, os Tribunais passaram a entender que os meios de parcelamento mencionados eram eficazes para a regularização dos tributos, porém sem considerar o cenário completo para a reestruturação das companhias, que já se obrigam perante os credores listados em suas Recuperações Judiciais.
Dessa forma, é certo que diversos recursos serão direcionados novamente ao Superior Tribunal de Justiça, porque são inúmeros processos sem a devida homologação da aprovação dos PRJ, com consequências drásticas como a suspensão dos processos ou até mesmo a convolação em Falência de atividades que notoriamente são viáveis, afinal estão contando com o apoio da maioria dos seus credores.
Isso porque, em breve análise de possibilidades das transações ou parcelamentos existentes, em todos há somente a possibilidade de descontos em juros ou multa, com prazo de pagamento de até 144 meses – 12 anos – exigindo percentual de entrada e, para conseguir boas condições, se faz necessário até em conferir garantia de algum ativo para formalizar a negociação: fato que, na prática, a inviabiliza porque, via de regra, todo o patrimônio do devedor já estar comprometido com a dívida reestruturada no pedido de Recuperação Judicial.
Em breves comparações, são raros os Plano de Recuperação Judicial com condições parecidas com essas, é evidente que são negociações completamente diferentes pela natureza tanto dos créditos quanto dos próprios credores. Então retirar tudo que foi feito justamente com os que tem maior flexibilidade para negociar, se mostra completamente fora de dois princípios basilares do instituto: a preservação da atividade empresária e o tratamento igualitário entre os credores.
É certo, portanto, que o tema precisará ser norteado mais uma vez, porque o contrário resultará na inviabilidade de boa parte dos processos existentes e, sem dúvida alguma, irá retirar uma boa oportunidade de acesso ao Poder Judiciário para companhias que precisam se reestruturar, mas que não conseguirão ante a impossibilidade de obter as Certidões Negativas de Débito.
Yuri Gallinari de Morais. Sócio-Fundador do Yuri Gallinari Advogados. Especialista em Recuperação Judicial e Falência pela Faculdade de Direito Autônoma de São Paulo (FADISP) e em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Pós-Graduando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Membro da Comissão de Estudos de Falência e Recuperação Judicial da OAB/SP, Subseção de Campinas/SP.