Negócio jurídico processual e as alterações da lei de recuperação

1.  Introdução

O objetivo do presente artigo é realizar análise sobre a aplicação do negócio jurídico processual, positivado no Código de Processo Civil de 2015, à luz das recentes alterações da Lei de Recuperação de Empresas e Falência (Lei nº 11.101/2005).

Para iniciar, será rememorado o conceito de negócio jurídico processual desde as previsões que o remetiam de forma implícita no Código de Processo Civil de 1973, as definições doutrinárias, até o que foi implementado pela atual legislação processual e sua respectiva abordagem prática como maneira de evitar embaraços e maximizar a solução de disputas litigiosas.

Na sequência, serão mencionadas as alterações da Lei nº 11.101/2005, focando em pontos completamente voltados para o uso do negócio jurídico processual, especialmente em: (i) conciliações e mediações; (ii) o plano de recuperação judicial, incluindo a sua apresentação pelos credores; e (iii) a substituição da Assembleia-Geral de Credores por termos de adesão.

Finalizando, a conclusão trará o conjunto da análise entre o que é previsto no Código de Processo Civil e poderá ser colocado em prática nos processos de Recuperação Judicial e Falência, trazendo ideias e fomentando o debate sobre o direito da insolvência do Brasil.

2. Conceito de Negócio Jurídico Processual

Primeiramente, para que seja alcançando o objetivo central deste texto, necessário contextualizar o que é o negócio jurídico processual – assunto este que ganhou força no Código de Processo Civil de 2015.

O negócio jurídico consiste em uma declaração de vontade das partes plenamente capazes com o fim de produzir efeitos jurídicos. Assim, é produto da autonomia privada e da regulação de interesses, implicando na liberdade de celebração e de estipulação.

De acordo com Fredie Didier[1], o negócio jurídico processual pauta-se em fato jurídico voluntário, cujo suporte fático confere-se ao sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites do próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais.

Com o advento do Código de Processo Civil em 2015, a liberdade entre as partes, acaba adentrando em uma sistemática na qual o juiz passa a ser um membro eventual do processo, com o dever de fiscalizar exageros que possam ocorrer.

Dessa maneira, é evidente que os negócios jurídicos processuais são regidos pelo Princípio do Autorregramento da Vontade.

Fazendo uma breve comparação entre o negócio jurídico processual, no Código de Processo Civil de 1973 e o Código de Processo Civil de 2015, impende destacar que o texto legal do Código de Processo Civil de 1973 já elencava hipóteses nas quais as partes tinham a autonomia de realizar negócios jurídicos processuais, alterando regras previstas pela lei, logo, já era permitido às partes muito mais do que simplesmente optarem por realizar ou não os atos previstos em lei, era permitido que as partes pudessem convencionar sobre os efeitos jurídicos no curso do processo.

Dessa maneira, é possível fazer menção a alguns dispositivos, como por exemplo: autorização da eleição de foro (art. 111, CPC/1973), o negócio sobre ônus da prova (art. 333, parágrafo único, CPC/1973), a suspensão consensual do processo (art. 265, inciso II, CPC/1973), a aceitação à desistência da ação (art. 267, §4º, CPC/1973), a renúncia ao recurso (art. 502, CPC/1973), a anuência ao aditamento do pedido após a citação (art. 264, CPC/1973), entre outros.

Já no CPC de 2015, o artigo 190 altera as possibilidades de realização de negócios jurídicos em matéria de processo civil, in verbis:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Com a breve comparação acima, infere-se que o negócio jurídico processual sempre existiu, contudo, apresentou mais força com a modificação do Código de Processo Civil, já que antes as possibilidades de negociação estavam restritas aos casos previstos em lei.

Portanto, é perceptível que o negócio jurídico processual tem como essência a POSSIBILIDADE DE NEGOCIAR AO INVÉS DE JUDICIALIZAR.

Prosseguindo, conforme leciona Cassio Scarpinella Bueno[2], os negócios jurídicos decorrem das diretrizes modernas do processo civil, que têm por fundamentos a valorização da paridade entre os sujeitos do processo, a sobreposição da autonomia das partes com estímulo à autocomposição, bem como a otimização e racionalização da atividade jurisdicional.

Contudo, é importante destacar que apesar da liberdade conferida às partes, há limitações e requisitos para a prática do negócio processual.

Logo, para a realização do negócio processual, é necessário que o objeto litigioso admita composição, ou seja, o objeto do processo deve submeter-se a direitos disponíveis, que são aqueles passíveis de serem transacionados e sejam observados os requisitos formais para a realização do negócio jurídico previsto no artigo 104 do Código Civil, ou seja, o negócio processual deve ser realizado por pessoas capazes, o objeto deve ser lícito e por fim, deve observar forma prevista ou não vedada pela lei.

Todavia, destaca-se que a posição ativa do magistrado e a prestação jurisdicional estatal apesar de considerar a vontade das partes, não se sobreporá ao interesse público que o Estado tem no exercício de sua atividade. Em contraposição, quando as partes optam por submeter a solução do seu litigio a um arbitro privado, prevalece o interesse privado daquelas, exsurgindo o juízo arbitral.

Feitas breves considerações acerca do negócio jurídico processual, tem-se que há uma maior amplitude da lei com relação a AUTOCOMPOSIÇÃO das PARTES, todavia, nunca poderá se sobrepor ao INTERESSE PÚBLICO.

3. Alterações da Lei de Recuperação Judicial e Falência a luz do Negócio Jurídico Processual

De acordo com Lex e Sebenium (1986) o momento mais estressante de uma negociação é seu início. Entretanto, é justamente nessa hora que negociador possui a escolha e o poder para decidir que percurso trilhará, se produtivo ou improdutivo, dependendo de como inicia a negociação.

Fazendo um paralelo do negócio jurídico processual com o livro a “Revolução do Bichos”, a ideia do Autor George Orwell, era de que os animais são todos iguais e capazes de conviver entre si de forma harmoniosa, cada um desempenhando seu papel e ajudando seus companheiros, ou seja, em uma negociação para que haja uma convivência harmoniosa, ambas as partes precisam exercer o seu papel e também ceder.

Conectando a ideia do negócio jurídico processual com as alterações da Lei de Recuperação Judicial e Falência, aqui se faz o seguinte questionamento: qual o benefício de se negociar e como que a Lei de Recuperação conferiu mais força para a negociação entre as partes antes que se chegue ao judiciário?

Infere-se das modificações da Lei 11.101/05 com o cunho de negócio jurídico processual, artigo 20 “Das Conciliações e das Mediações Antecedentes ou Incidentais aos Processos de Recuperação Judicial”; artigo 50, XVI e XVII que estabelece sobre os meios de recuperação que poderão constar no Plano de Recuperação Judicial, até porque a natureza do Plano de Recuperação Judicial detém caráter plenamente negocial.

Sintetizado o necessário, analisaremos os pontos descritos acima:

3.1 – Das Conciliações e Mediações – artigos 20 A, B, C, D todos da Lei 11.101/05

Inicialmente, importante transcrever os artigos que tratam sobre Conciliação e Mediação:

Art. 20-A. A conciliação e a mediação deverão ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição, inclusive no âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e nos Tribunais Superiores, e não implicarão a suspensão dos prazos previstos nesta Lei, salvo se houver consenso entre as partes em sentido contrário ou determinação judicial.

Art. 20-B. Serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial, notadamente:

I – nas fases pré-processual e processual de disputas entre os sócios e acionistas de sociedade em dificuldade ou em recuperação judicial, bem como nos litígios que envolverem credores não sujeitos à recuperação judicial, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei, ou credores extraconcursais;

II – em conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais;

III – na hipótese de haver créditos extraconcursais contra empresas em recuperação judicial durante período de vigência de estado de calamidade pública, a fim de permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais;

IV – na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial.

§ 1º Na hipótese prevista no inciso IV do caput deste artigo, será facultado às empresas em dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial obter tutela de urgência cautelar, nos termos do art. 305 e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do tribunal competente ou da câmara especializada, observados, no que couber, os arts. 16 e 17 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015.

§ 2º São vedadas a conciliação e a mediação sobre a natureza jurídica e a classificação de créditos, bem como sobre critérios de votação em assembleia-geral de credores.

§ 3º Se houver pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, observados os critérios desta Lei, o período de suspensão previsto no § 1º deste artigo será deduzido do período de suspensão previsto no art. 6º desta Lei.

Art. 20-C. O acordo obtido por meio de conciliação ou de mediação com fundamento nesta Seção deverá ser homologado pelo juiz competente conforme o disposto no art. 3º desta Lei.

Parágrafo único. Requerida a recuperação judicial ou extrajudicial em até 360 (trezentos e sessenta) dias contados do acordo firmado durante o período da conciliação ou de mediação pré-processual, o credor terá reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito dos procedimentos previstos nesta Seção.

Art. 20-D. As sessões de conciliação e de mediação de que trata esta Seção poderão ser realizadas por meio virtual, desde que o Cejusc do tribunal competente ou a câmara especializada responsável disponham de meios para a sua realização.

Pois bem. Mas, qual foi a motivação para que tais dispositivos surgissem?

A Lei nº 11.101/2005 necessariamente precisa ser vista de forma a PRESTIGIAR à função social e a preservação da empresa .

É certo que a relação entre a devedora (s) e seus Credores demandam intensas negociações até que o Plano de Recuperação Judicial possa ser aprovado.

A mediação, como também a conciliação se insere neste contexto de negociação prévia, demonstrando-se como um terreno fértil para a elaboração de um plano de recuperação para a empresa em crise, “além de buscar minimizar os efeitos da judicialização em massa das disputas envolvendo contratos sociais e disputas societárias” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020).

Com a Lei 14.112/20, a mediação passou a integrar expressamente o sistema normativo da insolvência, como um dos métodos alternativos pré-insolvência, antecedente ao pedido de recuperação judicial ou falência.

Observa-se que a mediação auxilia os envolvidos para a composição de seus interesses, fato que torna o procedimento mais curto, célere e eficaz.

É válido ressaltar que o negócio jurídico processual se INSTRUMENTALIZA com a Mediação, Composição ou Arbitragem, são métodos que colocam em prática, o lema “NECESSÁRIO NEGOCIAR AO INVÉS DE LITIGAR”.

Importa colocar que, conforme os preceitos insculpidos na doutrina de só poder negociar direitos disponíveis, o §2º do art. 20-B coloca que não são vedados acordos que alterem classificação de créditos e direito de voto em Assembleia-Geral de Credores. Afinal, são dois direitos conferidos por Lei aos credores, que não podem abrir mão de tanto.

Inclusive, a alteração de classe pode até verificar violação ao princípio basilar do instituto da Recuperação Judicial, denominado “par conditio creditorum”.

Continuado, observe que o mediador não se confunde com o administrador judicial e para ser apto para atuar na área recuperacional, além das exigências legais básicas previstas no art. 9º, 11º e 12º, da Lei 13.140/15, precisa ter conhecimento específico e experiência na área, bem como conhecer o procedimento legal.

Ora, antes mesmo de ser positivada a mediação na LRE, Daniel Carnio Costa assevera[3] “ nesse ponto, a reforma da lei normatizou o que já vinha sendo amplamente defendido pelos operadores do direito. O Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em sua Recomendação 58, de 22.10.2019, já vinha orientando que os magistrados responsáveis pelo processamento e julgamentos dos processos recuperação empresarial e falências, de varas especializadas ou não, promovesse, sempre que possível, o uso da mediação.

O caso emblemático de recuperação do “Grupo Oi” já se utilizava de tal instrumento, tramitando na 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.

Destaca-se que a recuperação judicial tinha mais de 55.000 credores, um passivo de 564 bilhões e mais de 30 mil incidentes processuais em curso[4].

Destes, cerca de 640 milhões de créditos foram mediados com acordos, extinguindo milhares de demandas.

As mediações ocorreram tanto presencialmente, quanto de plataforma virtual, criada pela FGV Projetos.

A MEDIAÇÃO OCORREU COM O SEGUINTE ESCOPO:

– programa de acordo com os credores – até R$50.000,00 (cinquenta mil reais);

– mediação com incidentes processuais e,

– mediação com créditos ilíquidos, sem – prejuízo das mediações com os importantes credores fornecedores para definição de seus créditos, ficando a plataforma eletrônica à disposição por três meses até a realização da Assembleia Geral de Credores.

– As recuperandas estabeleceram algumas balizas previas para mediação como:

– aceitação do acordo pelo credor implicaria na renúncia à discussão do valor devido;

– o pagamento do crédito seria realizado na proporção de 90% antes da AGC e 10% na forma do plano de recuperação judicial, e o do crédito seria realizado na proporção de 90% antes da AGC e 10% na forma do plano de recuperação judicial, e o

– credor deveria outorgar a procuração a mandatário escolhido pelo juízo recuperacional para a votação na AGC.

Outros casos também já se utilizavam da mediação, como Livraria Saraiva, Sete Brasil e Superpesa Cia de Transportes Especiais e Itermodais.

As outras formas de solução de conflito  como se verifica acima, apresentam resultado positivo, evitando a atribulação do judiciário e o desgaste entre as partes.

É claro que esta inovação fará com que haja uma mudança cultural dos brasileiros, e por isso há vários entraves para que os outros métodos de resolução de conflitos sejam 100% eficazes, como por exemplo, o contexto do código civil é baseado em um sistema legal de codificações, diferente do common law que é mais voltado para cultura da negociação, formação acadêmica dos advogados, os quais são treinados nas faculdades de direito para atuar contenciosamente nos litígios, dificuldades de acesso à informação para utilização dos métodos consensuais, remunerações dos mediadores e conciliadores dentre outros.

Veja que esta cultura dos negócios processuais instrumentalizada pela Conciliação e Mediação ganha grandes forças neste momento de alteração da Lei.

É claro que há a necessidade de uma política nacional para incentivar o uso das ferramentas para soluções de conflitos, por exemplo, na cidade de São Paulo/SP foi criado pela E. Corregedoria Geral de Justiça projeto piloto de mediação para apoio à renegociação de obrigações relacionadas aos empresários e sociedades empresárias, incluindo empresários individuais, micro e pequenas empresas decorrentes dos efeitos do Covid – 19. incluindo empresários individuais, micro e pequenas empresas decorrentes dos efeitos do Covid-19.

Esse projeto constitui um grande avanço e estímulo utilização das ADRs, com um diferencial importante: a participação do Poder Judiciário como legitimador  e intermediador do processo, ao oportunizar a aproximação das partes e o mediador, por elas escolhido ou nomeado pelo juiz, na falta de consenso, por simples peticionamento eletrônico, numa via fácil e acessível.

Contudo, não se pode fechar os olhos que para que as conciliações e mediações ocorram na fase pré-processual, a devedora que passa por crises não pode se equivocar no “timing” para ajuizar seu pedido recuperacional, em outras palavras, necessário que a devedora tenha pelo menos um capital para dispor e negociar com seus credores.

Outro ponto, necessário que o Credor esteja disposto a negociar e a ceder.

Desta forma, importante também ter um conciliador e mediador especializados, e que não seja apenas mais uma sessão para que se perca tempo, mas sim que o negócio jurídico processual firmado e instrumentalizado por outros métodos de solução de conflitos sejam eficazes, de modo apenas se levar ao judiciário causas que não são passíveis de autocomposição.

3.2 – Do Plano de Recuperação Judicial

Em linhas gerais, o plano de recuperação é o elemento mais importante da recuperação judicial da empresa, uma vez que nada mais é do que o projeto de superação da crise econômico-financeira enfrentada pela organização[5].

Aliás, o plano de recuperação é a proposta de pagamento aos credores, o qual o devedor deverá apresentá-lo no prazo improrrogável de 60 (sessenta dias), contado da publicação do pedido recuperacional. 

Segundo o comando inserto no artigo 53, da Lei nº 11.101/0520, no plano recuperacional conterá explicações de como serão os meios de recuperação a serem empregados, a demonstração de sua viabilidade econômica[6], e por fim, seu laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado. 

São vastos os meios que podem ser utilizados para a recuperação judicial da empresa, bastando haver a concordância do devedor com a maioria dos credores. Importante dizer que não há limite de deságio da dívida e dilação de prazo21, com algumas exceções listadas abaixo. Também é possível utilizar-se de instrumentos de pagamentos elencados no código civil, como por exemplo, a dação em pagamento. O artigo 50, da supracitada lei, elenca de maneira exemplificativa os modos de recuperação. 

Afinal, o Plano de Recuperação Judicial apresenta natureza de negócio jurídico? O que as partes podem dispor? Qual inovação que a Lei de Recuperação de Empresas trouxe?

Neste sentido leciona Vinicius José Marques Gontijo[7]: “Portanto, há uma oferta contratual pelo devedor aos credores, mediante uma declaração de aptidão econômica e promessa ao Estado-Juiz, que avalia os requisitos e impedimentos da pretensão, assim, o devedor requer uma execução coletiva a fim de superar o estado de crise econômico-financeira. De fato, quando o juiz defere o processamento da recuperação judicial, ele está, por autorização legal (art. 52, LF), adiantando a eficácia do negócio jurídico a ser proposto pelo devedor e, via de consequência, suspendendo as ações e execuções individuais contra ele”.

Respondendo ao questionamento, o Plano de Recuperação Judicial é um contrato atípico firmado entre devedor e credores sujeitos ao procedimento de recuperação judicial.

A Lei trouxe dois incisos colocando como meio para recuperação judicial, quais seja, XVII – conversão de dívida em capital social e XVIII – venda integral da devedora, desde que garantidas aos credores não submetidos ou não aderentes condições, no mínimo, equivalentes àquelas que teriam na falência, hipótese em que será, para todos os fins, considerada unidade produtiva isolada.

Ora, o aumento de capital poderá ser previsto para receber novos recursos financeiros, seja pelos sócios já existentes, seja por terceiros investidores que ingressariam na sociedade, respeitando claro, o tipo societário[8].

O aumento poderá ocorrer em vez e mediante o ingresso de novos recursos financeiros, havendo redução do passivo.

Importante destacar que o aumento de capital social reduz a participação dos demais sócios da sociedade, assim deve-se assegurar a estes o direito de preferência na subscrição e aumento de capital.

Com o ingresso do novo sócio, haverá também um novo negócio jurídico, em que o sócio não declara apenas a vontade de se associar mas um comportamento contínuo de colaboração em prol da atividade a ser desenvolvida.

Já a venda integral da devedora, firmada através de um novo negócio jurídico, poderá gerar preservação da empresa, nos termos do artigo 47 da Lei 11.101/05.

Além disto, a venda permite que o devedor tenha mais ofertas, além de evitar deterioração do valor dos bens e custo direto que a sua realização no procedimento poderia gerar.

Lembrando que a venda não poderá privilegiar pagamento de alguns credores, sob pena de cometimento de crime falimentar disposto no artigo 172 da lei 11.101/05.

Outro ponto que merece destaque, houve controvérsias sobre qual seria o termo inicial para o encerramento da recuperação judicial.

Agora, o artigo 60 da LRE pacificou a discussão aduzindo que: “Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o juiz poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, independentemente do eventual período de carência.”

Ou seja, se o Plano de Recuperação Judicial prevê a venda integral da sociedade empresária, pode incluir uma cláusula informando que após a venda integral com o pagamento dos credores, a recuperação judicial será encerrada, respeitando claro o prazo máximo de 2 (dois anos).

Dentre as formas de pagamento descritas no código civil para extinção do crédito, o plano também pode prever que a satisfação dos credores poderá ocorrer pela entrega de prestação diversa da que lhe é devida, artigo 365 do Código Civil.

Explica-se: a devedora tem ativos que poderão ser entregues aos seus Credores para que seja satisfeita a dívida, outro negócio jurídico licito, determinado, com agentes capazes, que pode ser utilizado como pagamento aos credores a fim de saldar a dívida e continuar no mercado.

Como se sabe, o artigo 66 da Lei nº 11.101/2005 prevê que para alienar ativos da Devedora em recuperação judicial é necessário autorização judicial, mas e a venda de unidade produtivas isoladas? E se o devedor dispor desta venda para pagamento dos Credores? Outro negócio jurídico.

O Plano de Recuperação Judicial é como se fosse o negócio jurídico “MÃE” dele pode sair inúmeras ramificações, outros negócios jurídicos, com o objetivo de satisfação da dívida.

O novo entendimento acerca da Unidade Produtiva Isolada é que pode ser alienado qualquer bem desde que não HAJA O ESVAZIAMENTO PATRIMONIAL – risco de falência – artigo 73 da LRE, por exemplo, a Recuperanda por meio de operação de sale-lease-back[9] pode dispor no seu Plano de Recuperação Judicial que alienará seu principal estabelecimento e quem for adquirir, a Recuperanda pagará uma locação, ou seja, isto aumenta o capital da empresa em recuperação judicial para pagamento dos Credores.

3.3 – Termos de Adesão em substituição a Assembleia-Geral de Credores

Outra alteração extremamente relevante na LRE, que também está diretamente ligada a aplicação do negócio jurídico processual em processos de Recuperação Judicial é a prevista na regra do art. 45-A, mencionado desde o art. 39, §4º:

Art. 45-A. As deliberações da assembleia-geral de credores previstas nesta Lei poderão ser substituídas pela comprovação da adesão de credores que representem mais da metade do valor dos créditos sujeitos à recuperação judicial, observadas as exceções previstas nesta Lei

Em breve síntese, fazendo uma ponte com as previsões de mediação e conciliação já retratadas nesse artigo, o legislador criou uma hipótese em que o devedor pode formalizar as negociações com os seus credores e aprovar o seu Plano de Recuperação Judicial, realizar a venda de ativos e constituir Comitê de Credores com a assinatura de termos de adesão.

Nos §§§ 1º, 2º e 3º estão colocados os parâmetros de aprovação para cada uma das situações, replicando exatamente as mesmas condições de quórum caso uma AGC ocorresse de forma comum.

A única criação de quórum foi a referente a venda alternativa de ativos nos processos de falência presente na regra do art. 145, estipulada em 2/3 dos créditos concursais e extraconcursais. Afinal, como o procedimento falimentar é a única alternativa para o recebimento dos créditos, todos serão afetados pelo produto oriundo da alienação.

E no §4º está expresso que a apresentação dos termos de adesão serão seguidas de parecer emitido pelo Administrador Judicial e, na sequência, do representante do Ministério Público, de modo a validar a questão. Inclusive que esses dois pontos irão ocorrer independentemente de haver a concessão da Recuperação Judicial ou não.

Inclusive, o magistrado e doutrinador Marcelo Barbosa Sacramone indica como a situação deverá ocorrer na prática, informando que o termo deverá ser acompanhado de documentação suficiente para os procuradores demonstrarem os poderes de novação e transação, quais sejam: ato de nomeação dos administradores ou diretores, acompanhados do contrato social e, no caso de pessoas físicas, os documentos pessoais. Sempre inserindo as procurações aos respectivos advogados.[10]

Certamente é uma forma de manter a higidez dos termos apresentados e, também, remonta às funções do Auxiliar do Juízo no sentido de fiscalizar o andamento do processo e as negociações com os credores; além do mais é completamente intrínseco a uma “nova” função expressa na Lei: a da regra do art. 22, II, “g”.

g) assegurar que as negociações realizadas entre devedor e credores sejam regidas pelos termos convencionados entre os interessados ou, na falta de acordo, pelas regras propostas pelo administrador judicial e homologadas pelo juiz, observado o princípio da boa-fé para solução construtiva de consensos, que acarretem maior efetividade  econômico-financeira e proveito social para os agentes econômicos envolvidos;

O estímulo a negociação está muito presente na Lei de Recuperação de Empresas e Falência atualmente e isso fica notória pelo “casamento” dos novos dispositivos legais vigentes, a forma como são atrelados sempre remontam à possibilidade de criar novos meios de recuperação e solucionar os litígios entre os envolvidos de forma célere e justa, evitando ao máximo a discrepância entre os participantes da lide.

Ainda, é sabido que, na prática, muitos credores (especialmente os que são pequenas empresas ou pessoas físicas menos abastadas) não conseguem ter acesso ou contratar profissionais para acompanhar o andamento dos processos de Recuperação Judicial e Falência e, consequentemente, tem maior dificuldade para receber os seus créditos.

Com essa alteração, para preencher o quórum necessário para aprovação via termo de adesão, certamente os devedores também entrarão em negociação com tais credores, porque precisam da maioria dos créditos do processo de Recuperação Judicial e não dos que estão presentes na Assembleia-Geral de Credores.

São inúmeros benefícios que, com a sua utilização devida para serem evitados comportamentos inidôneos, colocam todos na mesma posição de igualdade pretendida pelo legislador desde a criação da LRE em 2005.

4. Conclusão

A introdução do negócio jurídico processual nos processos de Recuperação Judicial e Falência só trazem vantagens para todos os envolvidos, porque muitos conflitos que antes eram judicializados e resolvidos de forma morosa podem ser feitos até antes do início da demanda e, caso for durante, economizam muitos atos para a sua conclusão.

Isso porque os mecanismos, criados pelas recentes alterações da Lei nº 11.101/2005 com ligação direta ao instituto do negócio jurídico processual previsto no Código de Processo Civil, são todos voltados para facilitar o bom andamento e acelerar a resolução de processos de insolvência que, por sua natureza e complexidade, costumam tramitar por um tempo acima do comum de uma demanda judicial.

O seu uso, de forma adequada e com fiscalização assertiva por parte do Administrador Judicial e do Juízo, incontroversamente irá auxiliar na reestruturação de empresas envididadas e, consequentemente, fazer com que os credores consigam maximizar a recuperação dos seus créditos. É o intuito da Lei, que preserva a atividade de sociedades empresárias viáveis para que essas não afetem o mercado e o setor da economia em que estão inseridos.

Isso sem mencionar na redução de custo monetário e temporal para todos os envolvidos, especialmente nas mediações e conciliações para a discussão de créditos, evitando incidentes processuais com seus respectivos recursos que, em muitas vezes, seguem tramitando mesmo após o fim do processo de Recuperação Judicial; e, nas situações em que for viável, a substituição da Assembleia-Geral de Credores, momento complexo e custoso, por termos de adesão facilitará e poderá criar um ambiente de negócios em que um número maior de credores com acesso à lide e seus andamentos.

E, claro, o Plano de Recuperação Judicial que é o principal instrumento em que o negócio jurídico processual pode ser aplicado, tendo havido previsões suas as quais acabaram sendo positivadas  e, pelos meios de recuperação já previamente existentes e os recentemente inseridos na relação exemplificativa do art. 50, são capazes de formar inúmeros negócios para a manutenção da atividade empresária e a satisfação dos interesses de todos os credores.

5.       Referências bibliográficas

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COSTA, Daniel Carnio. NASSER DE MELO, Alexandre Correa.Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101, 09 de fevereiro de 2005 – Curitiba; Juruá, 2021.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17 Ed., Vol. 1, Salvador: JusPodivm, 2015.

DIDIER JR. Fredie. Princípio do Respeito ao Autorregramento da Vontade no Processo Civil. Extraído do Cap. 1 da Coleção Grandes Temas do Novo CPC, Vol 1 – Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm. 2015.

MAMEDE, Gladston.

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LONGO. Samantha Mendes. SOUZA NETTO. Antonio Evangelista. A recuperação Empresarial e os Métodos Alternativos de Solução de Conflitos. Porto Alegre: Paixão Editores

GONTIJO, Vinícius. J. M. A natureza de jurisdição voluntária da recuperação judicial de empresas. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, v. 28, p. 1-11, 2014.

<https://ibradim.org.br/operacao-sale-and-leaseback-uma-alternativa-para-enfrentar-a-crise/> – acesso em 20.5.2021


[1]DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17 Ed., Vol. 1, Salvador: JusPodivm, 2015.

DIDIER JR. Fredie. Princípio do Respeito ao Autorregramento da Vontade no Processo Civil. Extraído do Cap. 1 da Coleção Grandes Temas do Novo CPC, Vol 1 – Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm. 2015.

[2]Bueno, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva , 2015. Pg. 162.

[3]Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101, 09 de fevereiro de 2005 / Daniel Carnio Costa, Alexandre Correa Nasser de Melo – Curitiba; Juruá, 2021.

[4]Fonte: LONGO. Samantha Mendes. SOUZA NETTO. Antonio Evangelista. A recuperação Empresarial e os Métodos Alternativos de Solução de Conflitos. Porto Alegre: Paixão Editores

[5] MAMEDE, Gladston. Op. cit., p. 157.

[6] MAMEDE, Gladston. Op. cit., p. 158.

[7] GONTIJO, Vinícius. J. M. A natureza de jurisdição voluntária da recuperação judicial de empresas. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, v. 28, p. 1-11, 2014, p. 7

[8]    SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. 2ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p.

[9]https://ibradim.org.br/operacao-sale-and-leaseback-uma-alternativa-para-enfrentar-a-crise/

[10]  SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. 2ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 235