POLÊMICA QUANTO ÀS ALEGAÇÕES DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO ENTRE UBER E MOTORISTAS

Recentemente, no processo de n° 1001379-33.2021.5.02.0004, tramitando perante a 4ª Vara do Trabalho de São Paulo – reclamação trabalhista movida pelo Ministério Público do Trabalho –, a empresa Uber foi condenada a pagar multa de R$ 1 bilhão a título de indenização por dano moral coletivo em razão da ausência de reconhecimento de vínculo empregatício com seus motoristas. Além disso, foi condenada a assinar a carteira de trabalho de todos os atuais e futuros motoristas a ela vinculados.

Os advogados da empresa já se manifestaram no sentido de que não irão cumprir com a sentença até que tenham sido esgotadas todas as vias recursais possíveis.

O caso acima mencionado é apenas um dentre inúmeros casos que acabam sendo levados ao STF (Supremo Tribunal Federal), que por sua vez, na grande maioria das vezes, tem entendido por derrubar as sentenças que reconhecem o vínculo entre a Uber e os motoristas, muito embora ainda não seja um entendimento pacificado.

Neste racional, é importante ter em mente algumas questões.

O art. 3° da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) caracteriza como empregado “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”, sendo que todos os requisitos mencionados são cumulativos, ou seja: se um deles não estiver preenchido, já não se caracteriza a relação de emprego.

Uma das principais características empregadas aos motoristas é o fato de que eles podem optar por trabalhar o horário que quiserem – de manhã, de tarde, de noite e/ou de madrugada –, e se quiserem, podendo optar também por não realizar nenhuma corrida durante o dia ou durante a semana, o que descaracteriza o requisito da “natureza não eventual”.

Essa mesma característica destacada acima, cumulada ao fato de que os motoristas contam com a liberdade de negar ou cancelar uma corrida, descaracteriza o requisito “dependência”, que a doutrina traduz como subordinação jurídico-hierárquica ao empregador, uma vez que os empregados são obrigados, dentro da Lei, a obedecerem às exigências de seus empregadores, o que não se aplica aos motoristas do aplicativo.

Por fim, quanto ao quesito “salário”, Alice Monteiro de Barros[1] traz a definição como “a retribuição devida e paga diretamente pelo empregador ao empregado, de forma habitual, não só pelos serviços prestados, mas pelo fato de se encontrar à disposição daquele, por força do contrato de trabalho”, uma vez que entende que “a contraprestatividade nem sempre está presente, como ocorre, por exemplo, nas hipóteses de interrupção do contrato de trabalho, em que o empregado recebe o salário, embora não preste serviço”.

Ao contrário do que ocorreria em uma relação de emprego, em que o empregado receberia o salário mesmo em hipóteses de interrupção do contrato de trabalho, o motorista de Uber apenas receberá o valor referente à corrida que efetuou. Nenhum valor a mais e nenhum valor a menos, o que também descaracteriza o requisito de “salário”.

Assim, é possível compreender o motivo que leva o Supremo Tribunal Federal, ao proferir a maioria de suas decisões, a negar o vínculo de emprego aos profissionais que atuam como motoristas do aplicativo: porque, legalmente falando, a maioria dos requisitos que levam ao reconhecimento de uma relação de emprego não estão preenchidos.

Além disso, a empresa Uber, embora longe de ser perfeita, surgiu como uma forma de permitir que muitas pessoas que não têm um emprego possam obter sua própria renda, e que muitas pessoas com emprego possam obter uma renda extra. Exigir o vínculo de emprego de todos os motoristas resultaria em desdobramentos complexos que vão muito além de uma simples condenação, que de tantos caberiam até mesmo em texto próprio.

Neste sentido, inclusive, é a fala do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mende, em sede da ADP 324, ao alegar que “a engenharia social que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção, os quais têm sido acompanhados por evoluções legislativas nessa matéria”, demonstrando que é possível que haja um equilíbrio entre os interesses sociais e a evolução dos meios de produção sem que acabe pesando para um dos lados.

No entanto, por ser um tema recente, ainda há que se esperar os desdobramentos da Justiça do Trabalho e do próprio Supremo Tribunal Federal, até que haja um entendimento consolidado sobre o assunto.

Ana Julia Morgado, estudante de direito do 10° semestre na Universidade Presbiteriana Mackenzie, estagiária no escritório Yuri Gallinari Advogados.


[1] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 491.