Não faz muito tempo que a Lei nº 11.101/2005 foi alterada, cerca de um ano e poucos meses. Porém, a sua mudança deixou de considerar um fato prático que vem sendo cada vez mais corrente no Poder Judiciário: associações, em notório estado de insolvência, estão formulando pedidos de Recuperação Judicial como medida de reestruturação das suas atividades.
A partir daí, assim como ocorreu com os pleitos de reestruturação ajuizados por produtores rurais que atuavam enquanto pessoa física ou empresários individuais de responsabilidade ilimitada, surgiram inúmeras discussões sobre a regra do art. 1º da LRF[1]. Isso porque, pela leitura simples do dispositivo legal, a associação não se enquadra como sociedade empresária.
No entanto, é certo que existem muitas pessoas jurídicas dessa modalidade que atuam, na prática, como sociedades empresárias: geram empregos; recolhem tributos; contratam e são contratadas em diversas modalidades de negócio, enfim, agregam valor para o seu entorno e toda a sua região de atuação. Não se pode negar que é exatamente a atividade que o art. 47 da LRF[2] pretende preservar.
E, por consequências legais óbvias, quem pede Recuperação Judicial está sujeito a Falência, mas considerando essa questão prática e todo o impacto econômico e financeiro causado pelas associações nos locais onde estão instaladas e onde exercem suas atividades, por que não poder se beneficiar de tal instituto? Inclusive, basta uma busca sobre quais que ajuizaram os seus pedidos de reestruturação: são clubes de futebol, hospitais e instituições de ensino: os primeiros inegavelmente fazem circular negócios em todos os cantos do país e os demais são voltados para os direitos básicos de todo cidadão (saúde e educação).
Por esse aspecto, não parece razoável impedir que estruturas de tamanha relevância tenham o seu direito a reestruturação e renegociações com os credores tolhidas, apenas e unicamente por ausência de previsão legal direta. Afinal, exercem atividade empresária pura, devidamente prevista na regra do art. 966 do Código Civil: “considera-se empresária quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços”.
E, partindo dessa premissa, as associações se enquadram na mencionada classificação de empresário, inclusive até deixando de preencher o requisito já colocado art. 1º da Lei de Falências e Recuperações Judiciais.
Prosseguindo, também utilizando essa linha de raciocínio é que, por exemplo, o Figueirense Futebol Clube conseguiu a homologação do seu Plano de Recuperação Extrajudicial; o Hospital Amparo Feminino e Rede Ulbra de Educação obtiveram o deferimento do processamento dos seus pedidos de Recuperação Judicial.
Mas, como nada é concreto, especialmente no âmbito do direito, há o caso do pedido de Recuperação Judicial do Grupo Metodista que teve o processo de Recuperação Judicial extinto pelo E. TJ/RS e, atualmente, aguarda o julgamento final do Recurso Especial interposto para tanto perante o Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Dessa forma, a presente discussão, assim como aconteceu quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.800.032/MT, que possibilitou o pedido de Recuperação Judicial para os produtores rurais, será decidida pelo C. STJ, definindo mais uma vez se o que deve prevalecer é a manutenção de atividade que circula a economia ou a interpretação literal da Lei que impede uma reestruturação organizada, com os benefícios e prejuízos inerentes para todos os envolvidos.
YURI GALLINARI DE MORAIS
[1] Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.
[2] Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.