Desde a publicação da Resolução CNJ nº 598, de 22 de novembro de 2024, que instituiu o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, é perceptível o aumento de referências ao documento nas decisões judiciais, especialmente no âmbito trabalhista. Essa mudança não é apenas quantitativa, mas qualitativa: o protocolo vem impulsionando uma nova postura judicial, mais sensível, contextualizada e comprometida com a superação do racismo estrutural e institucional.
A crescente citação ao Protocolo reflete um esforço do Judiciário em alinhar-se aos princípios constitucionais de igualdade e dignidade da pessoa humana. Ao orientar juízes e juízas sobre como reconhecer os impactos do racismo nas disputas judiciais, o Protocolo promove uma abordagem antirracista que valoriza a escuta atenta, a leitura crítica da prova e o reconhecimento das desigualdades estruturais.
Na prática, sua aplicação tem se mostrado especialmente importante em ações trabalhistas que tratam de assédio e discriminação racial no ambiente de trabalho. Embora recente, o documento já vem subsidiando decisões fundamentadas, ajudando a transformar a realidade de trabalhadores e trabalhadoras negros que enfrentam situações de desrespeito, exclusão ou humilhação.
Um dos reflexos mais importantes da utilização do Protocolo nas decisões é a tendência crescente de reconhecimento do dano moral presumido em casos de racismo. Juízos vêm aplicando indenizações com valores mais elevados, com finalidade pedagógica, e reconhecendo a responsabilidade objetiva ou por omissão do empregador, mesmo quando este não foi diretamente o agente da discriminação.
A jurisprudência reforça a ideia de que, no campo da responsabilidade civil, o que se exige é a comprovação do ato e do nexo, e não necessariamente do sofrimento psíquico, muitas vezes invisível, porém real. O Protocolo contribui para essa compreensão, ao evidenciar como o racismo opera de forma estrutural e muitas vezes silenciosa nos ambientes profissionais.
Mesmo com poucos meses desde a sua publicação, o Protocolo já embasou decisões importantes. Um exemplo é o processo ROT 0010579-53.2022.5.15.0079, julgado pela 11ª Câmara do TRT-15, em que o juízo reconheceu o assédio racial e fixou indenização por danos morais de R$ 10.000,00 (dez mil reais), mencionando expressamente a Resolução CNJ nº 598/2024 como fundamento.
Outro caso relevante, o RORSum 1000941-39.2024.5.02.0315 (TRT-2), trata da dispensa por justa causa de um trabalhador que cometeu injúria racial contra colega. A decisão destacou a gravidade da conduta, a impossibilidade de gradação da penalidade e reforçou o dever do Judiciário de combater a discriminação com firmeza, citando precedentes e tratados internacionais sobre o tema.
Para os trabalhadores negros, o Protocolo representa um avanço histórico no acesso à justiça. Ele possibilita que situações muitas vezes tratadas com desconfiança ou invisibilidade ganhem peso jurídico, mesmo na ausência de provas documentais robustas. O documento reconhece que a discriminação nem sempre é explícita — e, por isso, exige um olhar atento, capaz de identificar padrões, contextos e omissões que configuram racismo institucional.
Adotar o Protocolo é mais do que aplicar uma norma técnica. Trata-se de reafirmar os direitos humanos no cotidiano forense, assumindo que a suposta neutralidade judicial precisa ser revista quando se depara com desigualdades históricas.
O Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, criado pela Resolução CNJ nº 598/2024, é uma resposta concreta e necessária às desigualdades raciais que ainda permeiam a sociedade brasileira, especialmente no mundo laboral. Sua incorporação nas decisões judiciais demonstra que o Judiciário começa a reconhecer que combater o racismo vai além do discurso: é um dever constitucional.
Para o trabalhador negro, essa mudança representa mais escuta, mais reparação e mais justiça. E para a sociedade como um todo, significa um passo importante na construção de um ambiente institucional verdadeiramente igualitário — onde a cor da pele não defina os limites da dignidade, da oportunidade ou do respeito.
Por: Taísa Kelly Ferreira Cavaco, pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho, advogada trabalhista no escritório Yuri Gallinari Advogados, e-mail: taisa@ygadv.com.br