A responsabilidade do arrematante pelo pagamento de débitos de IPTU anteriores à arrematação de imóveis é uma questão que frequentemente gera dúvidas e discussões no meio jurídico, principalmente quando há previsão no leilão incumbindo esse encargo.
Afinal, se há previsão no edital do leilão do imóvel, no sentido de que a responsabilidade do arrematante sobre o pagamento dos IPTUs gerados anteriormente à arrematação, existiria uma explicação para anular eventual previsão neste sentido?
O art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, prevê:
Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sôbre o respectivo preço.
Por sub-rogação, entende-se pela substituição de uma pessoa, física ou jurídica, por outra, quanto a direitos ou obrigações. Esse instituto está previsto no art. 349, do Código Civil:
Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.
O parágrafo único do art. 130 do CTN traz uma exceção à regra de sub-rogação das dívidas de proprietários anteriores de imóveis, no sentido de que, caso a compra seja realizada especificamente mediante arrematação, o comprador realizará o pagamento apenas sobre o respectivo preço do imóvel, não respondendo pelos encargos tributários adquiridos anteriormente à sua compra.
Ou seja, em termos legais, qualquer previsão em edital de leilão que incumba ao arrematante o ônus de arcar com os débitos tributários anteriores à arrematação, estaria indo na contramão da previsão explícita do Código Tributário Nacional.
Considerando os inúmeros casos que eram levados ao Poder Judiciário envolvendo leilões que contavam com edital incumbindo ao arrematante a responsabilidade de arcar com os débitos tributários adquiridos anteriormente à arrematação, e a dúvida sobre ser, ou não, dever do arrematante o dever de arcar com essas obrigações, o C. Superior Tribunal de Justiça fixou a Tese do Tema Repetitivo n° 1.134, que prevê:
Tema Repetitivo n° 1.134: Diante do disposto no art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação.
A fixação da Tese derivou do julgamento do Recurso Especial n° 1914902 – SP (2021/0003778-1), em 09 de outubro de 2024, que não apenas prevê ser inválida a cobrança em edital sobre os encargos tributários anteriores à arrematação, como explicita ser tal invalidade independente de ciência do comprador quanto à existência de previsão em edital sobre a sub-rogação dos débitos tributários, justamente por ser nula de pleno direito, incidindo na hipótese de nulidade do art. 166, IV, do Código Civil.
Importante destacar trecho do voto do Ilmo. Ministro, Teodoro Silva Santos, relator do julgamento do Recurso Especial retromencionado:
Justamente em razão da ausência de vínculo do arrematante com o fato gerador ocorrido previamente à transmissão, ou com o anterior proprietário do imóvel, é que não haverá espaço, nesse específico caso, para elevar o terceiro à categoria de responsável tributário. Tal circunstância, contudo, não implica na ausência de proteção da dívida fiscal, visto que o direito ao recebimento do crédito pela Fazenda Pública poderá ser satisfeito por intermédio da quantia depositada em juízo pelo arrematante (subrogação da dívida no preço). Concorrerá o ente público, contudo, com outros credores, inclusive com o titular de crédito trabalhista, que terá preferência. Na impossibilidade de satisfação integral da dívida, deverá insurgir-se contra o antigo proprietário para a recuperação do montante remanescente. Certo é que, independente do grau de satisfação da sub-rogação prevista pelo parágrafo único do art. 130 do CTN, fica o arrematante, repita-se, livre e desembaraçado de responsabilidade pelos encargos tributários pretéritos, passando atuar, doravante, como contribuinte dos fatos geradores que incidirão sobre o bem que passou a integrar seu patrimônio, uma vez que passar a ter relação pessoal e direta com ele.
A fixação da tese, inclusive, conta com efeitos de modulação para que toda cláusula de edital cujo conteúdo atribua a responsabilidade de arcar com os IPTUs anteriores à arrematação, ao arrematante, seja nula de pleno direito.
Nessa linha de entendimento, em caso recentemente patrocinado pelo escritório em prol do Autor, o arrematante adquiriu um imóvel em leilão, que contava com previsão de edital incumbindo a ele a responsabilidade de pagar os IPTUs anteriores à arrematação.
Ao ingressar com uma Ação de Inexigibilidade de Débito cumulada com pedido de tutela de urgência para suspender a cobrança dos IPTUs anteriores à arrematação até o julgamento do processo, a tutela de urgência prontamente fora concedida, tendo a decisão o seguinte teor:
“(…) As teses desenvolvidas na petição inicial estão amparadas por inúmeros precedentes e há prova documental conferindo verossimilhança ao alegado. Por outro lado, a tutela é plenamente reversível, pois se for denegada a segurança, todos os mecanismos de cobrança do tributo e de seus acréscimos poderão ser adotados pelo Fisco. Do exposto, DEFIRO a liminar para que a autoridade impetrada suspenda as cobranças de IPTU de 2023 e 2024, antes da arrematação do descrito na petição inicial em 6/12/2024, assegurando-lhe a obtenção das chaves, até ulterior decisão judicial em contrário.”
Assim, fica evidente que a responsabilidade do arrematante sobre débitos de IPTU anteriores à arrematação não encontra respaldo jurídico, mesmo quando prevista em edital de leilão. A proteção legal conferida pelo parágrafo único do art. 130 do Código Tributário Nacional, reforçada pelo entendimento consolidado no Tema Repetitivo n° 1.134 do Superior Tribunal de Justiça, deixa claro que a sub-rogação das dívidas tributárias no preço da arrematação preserva o arrematante de quaisquer ônus tributários anteriores.
Assim, eventuais previsões contrárias em edital são nulas de pleno direito, assegurando ao arrematante a aquisição do imóvel livre e desembaraçada de encargos tributários.
Na hipótese de situação semelhante, recomenda-se buscar a orientação de um advogado especializado para avaliar o caso concreto e adotar as medidas judiciais cabíveis à defesa de seus direitos.
Ana Julia Morgado, formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, advogada das áreas cível, empresarial e de relações de consumo, e-mail para contato: ajulia@ygadv.com.br