CRÉDITOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL CONSTITUÍDOS EM MOEDA ESTRANGEIRA

Em recente julgamento que negou provimento ao Recurso Especial 1954441, interposto por empresa em recuperação judicial que defendia a conversão do crédito de um dos credores que pediu a habilitação de aproximadamente US$ 1,5 milhão (um milhão e meio de dólares), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou o entendimento de que o crédito em moeda estrangeira deve ser incluído no quadro geral de credores na moeda em que foi constituído, apenas com a indicação do valor atualizado, com fulcro no art. 50, § 2º, da Lei 11.101/2005.

“Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: (…)

§ 2º Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial.”

No entanto, considerando que a habilitação de crédito ajuizada pelo credor já se deu na moeda em que foi originalmente constituído, desde 1ª instância, foi-se entendido que a vontade do credor foi manifestada no sentido de manter a moeda original, o que foi mantido por todas as turmas recursais ao longo do processo.

Abaixo, a ementa do julgamento:

[1]RECURSO ESPECIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO EM PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO CONSTITUÍDO EM MOEDA ESTRANGEIRA. INCLUSÃO NO QUADROGERAL DE CREDORES NA PRÓPRIA MOEDA EM QUE CONSTITUÍDO. § 2º DO ART. 50 DA LRF. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DE PRINCIPIOS CONSTITUICIONAIS. MATÉRIA NÃO PASSÍVEL DE CONHECIMENTO, SOB PENA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE AFRONTA AO ART. 47 DA LRF. DEFICIÊNCIA DAS RAZÕES RECURSAIS. RECONHECIMENTO. SÚMULA N. 284/STF. INCIDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. A controvérsia posta no presente recurso especial centra-se em saber se o crédito constituído em moeda estrangeira, ao ser habilitado na recuperação judicial, deve ter seu valor mantido na moeda em que foi contratado/constituído, tal como compreenderam as instâncias ordinárias, ou os valores devem ser convertidos para a moeda nacional no momento de sua inclusão no Quadro-Geral de Credores, aplicando-se a taxa de câmbio referente à data de seu pedido de recuperação judicial, como defende a parte recorrente. 2. Em relação ao processo de recuperação judicial, o § 2º do art. 50 da LRF é expresso em preceituar que, nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial deve ser conservada como parâmetro de indexação da obrigação e somente pode ser afastada no caso de o titular, expressamente, assentir com previsão diversa no plano de recuperação judicial. O dispositivo em exame, como se constata, justifica a opção legal adotada, sendo possível extrair, de seus termos, a conclusão de que a imediata conversão em moeda nacional, já por ocasião de sua habilitação, promoveria a indesejada disparidade entre o valor do crédito e o da obrigação que o originou. Para evitar essa incongruência, o crédito em moeda estrangeira deve ser incluído no Quadro-Geral de Credores na própria moeda em que constituído (§ 2º do art. 50 da LRF), atualizado, em conformidade com os termos ajustados, até a data do pedido de recuperação judicial (art. 9º, II, da LRF). 2.1 Apenas para o fim exclusivo de mensurar o poder político do credor, titular do crédito em moeda estrangeira, a ser exercido nas deliberações da Assembleia-Geral de Credores, o legislador estabeleceu a necessidade de se promover a conversão do crédito em moeda nacional pelo câmbio da véspera da data de instalação da AGC (parágrafo único do art. 38 da LRF). 3. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido.”

A fim de melhor explicar o posicionamento do Órgão Colegiado, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, ao proferir seu voto, explicou que o aludido artigo não traria dúvidas acerca de como classificar o crédito em moeda estrangeira, e que as únicas exceções seriam por expressa concordância do credor para fins de conversão cambial, ou, assim como prevê o parágrafo único do art. 38, da Lei 11.101/2005, “para fins exclusivos de votação em assembléia-geral, o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da véspera da data de realização da assembléia.” – ou seja, para mensuração de poder político do credor em AGC.

Assim, diante da explanação do D. Ministro Relator, que contou com a unanimidade de votos dos demais Ministros, restou fixado o entendimento que não apenas o crédito estrangeiro habilitado em recuperação judicial deve ser incluído no quadro geral de credores na moeda em que foi originalmente constituído – desde que não incorra em uma das exceções explanadas pelo D. Ministro –, mas também, que este deve ser atualizado até a data do pedido de recuperação judicial, conforme prevê o art. 9°[2], II, da Lei 11.101/2005.

Portanto, se você, credor, está enfrentando uma situação neste sentido, é importante buscar assessoria especializada para realizar a habilitação de seu crédito da maneira correta, a fim de que não haja prejuízos quando do seu recebimento.

Ana Julia Morgado, advogada no escritório Yuri Gallinari Advogados, formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e-mail ajulia@ygav.com.br.


[1] Ementa do Recurso Especial Nº 1954441 – SP (2021/0012164-3)

[2] Art. 9º A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7º, § 1º, desta Lei deverá conter: (…)

II – o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial, sua origem e classificação;