DEPÓSITO RECURSAL DEVE SER LIBERADO A FAVOR DA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A recuperação judicial é um instrumento legal que tem como objetivo viabilizar a superação de uma crise econômico-financeira de uma empresa, permitindo sua reestruturação e continuidade das atividades.

No entanto, a aplicação de medidas de constrição no patrimônio de empresas em recuperação judicial tem se mostrado problemática, especialmente quando envolve a atuação da Justiça do Trabalho.

A recuperação judicial é regida pela Lei nº 11.101/2005 e tem como objetivo principal a preservação da empresa, possibilitando a manutenção dos empregos e a regularização das obrigações trabalhistas. Portanto, é importante ressaltar que a recuperação judicial é um mecanismo que visa a harmonização dos interesses de todas as partes envolvidas, incluindo os credores trabalhistas.

Assim, quando uma empresa entra em recuperação judicial, ocorre uma alteração significativa na forma como as obrigações trabalhistas são tratadas. Nesse momento, a competência para tratar das questões relacionadas à recuperação judicial é transferida para a Justiça Comum.

Por ser uma justiça muito agressiva, a Justiça do Trabalho tende a aplicar medidas de constrição no patrimônio de empresas em recuperação judicial na fase de execução, visando a satisfação do crédito do trabalhador a qualquer custo, mesmo que isso signifique ignorar a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Contudo, bloqueios de ativos da empresa pode comprometer sua capacidade de cumprir com suas obrigações e prejudicar a continuidade das atividades.

Além disso, a aplicação de medidas de constrição pelo Judiciário Trabalhista pode desconsiderar a ordem de preferência de créditos estabelecida na lei, prejudicando os demais credores e, por consequência, dificultando a recuperação da empresa.

Em caso recente do escritório, o Juízo trabalhista determinou a liberação de depósitos recursais em favor do ex -empregado sob a seguinte argumentação:

“O depósito recursal na Justiça do Trabalho tem natureza de garantia da execução e, portanto, não mais pertence ao patrimônio da reclamada, o que inviabiliza ser alcançado pelo deferimento do processamento da Recuperação Judicial, sobretudo quando este se deu após a garantia do Juízo, devendo ser imediatamente liberado a parte exequente e demais credores, sobretudo em virtude de seu caráter alimentar.”

Ocorre que, já é pacificado pelo STJ que apenas o juízo recuperacional detém competência tomar decisões acerca do patrimônio da empresa recuperanda, não podendo ser permitido que decisões de juízos diversos prevaleçam.

Diante dessa situação, a equipe do escritório optou por suscitar um Conflito de Competência perante o Superior Tribunal de Justiça, visando a reversão da decisão do juiz trabalhista.

Em sede de liminar, assim decidiu a Exa. Ministra Nancy Andrighi:

“O STJ assentou o entendimento de que, tanto após o deferimento do pedido de recuperação judicial quanto após a decretação da quebra, o destino do patrimônio da sociedade não pode ser afetado por decisões prolatadas por juízo diverso do que é competente para a recuperação ou falência. Nesse sentido: CC 79170/SP, Primeira Seção, DJe 19/09/2008; e CC 106.768/RJ, Segunda Seção, DJe 02/10/2009.

Vale lembrar que a Segunda Seção do STJ possui entendimento consolidado no sentido de que é “da competência precípua do Juízo singular apenas a apreciação e julgamento das ações versando sobre apuração de créditos requeridos em face de empresas falidas ou em recuperação judicial, mas que, ultrapassada essa fase, os valores, ainda que relativos a anteriores depósitos recursais ou penhoras, deverão ser habilitados, conquanto de forma retardatária, no Juízo da falência ou da recuperação judicial para posterior pagamento” (AgInt nos EDcl no CC 165.079/SP, DJe 08/05/2020).

Em análise perfunctória da questão versada nos autos, portanto, depreende-se que o juízo trabalhista não detém competência para a prática do ato impugnado (liberação de depósitos recursais).”

Em que pese a decisão favorável, entendemos que é imprescindível que a Justiça do Trabalho empregue esforços para difundir entre os seus servidores a importância da abstenção de empregar medidas de constritivas sob patrimônio de empresa em recuperação judicial.

É certo que sempre será possível, nesses casos, recorrer ao STJ, contudo, o que se espera é que a Jurisprudência pacífica da Corte seja respeitada, sem a necessidade de provocação por parte dos procuradores de empresas recuperanda, garantindo segurança jurídica também para as partes envolvidas no processo.

Daniela de Oliveira Tiera – Advogada Trabalhista no escritório Yuri Gallinari Advogados. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Especialista em programas de Compliance de Proteção de Dados e Privacidade.