O Grupo “GVO” é um grupo econômico de usinas de açúcar e álcool localizado no interior de São Paulo. Ao enfrentar dificuldades econômico-financeiras, principalmente em razão da crise enfrentada em 2008 com a entrada de empresas estrangeiras no mercado nacional, acabou acumulando uma dívida de mais de R$ 7 bilhões de reais e envolvendo quase 8 mil credores.
Tendo em vista que as negociações não estavam surtindo efeito, arrastando essa dívida por mais de 10 anos, acabou por se valer do processo de Recuperação Judicial, ajuizado sob o nº 1000626-29.2021.8.26.0531, em 28.05.21, que tramita na Vara Única de Santa Adélia/SP.
Sabe-se que a aprovação e homologação do Plano de Recuperação Judicial, viabiliza o soerguimento da empresa, com condições para saldar todas as dívidas que forem anteriores ao pedido recuperacional e mantendo a continuidade da atividade empresarial.
No caso em comento, o Plano de Recuperação Judicial apresentado, acabou por ser rejeitado pela maioria dos credores trabalhistas, entretanto, o Grupo se manifestou, alegando a abusividade na votação de 477 credores, visto que não havia melhor condição para recebimento dos respectivos créditos.
O juiz responsável pelo processo recuperacional, o Dr. Felipe Ferreira Pimenta concordou com a Recuperanda, visto que segundo o plano apresentado, os credores trabalhistas receberiam seus créditos integralmente, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, a partir da homologação.
Entretanto, ainda reconhecendo a abusividade do voto destes 477 credores, o percentual de aprovação na Classe I não seria suficiente, portanto, o Magistrado optou por aplicar o cram down.
A Lei 11.101/05 prevê em seu artigo 58, § 1º [1]a possibilidade de homologação do Plano, ainda que tenha sido rejeitado por uma classe de credores.
Para que seja aplicada a regra do cram down, nos temos do artigo supracitado, exige-se que: (i) o voto favorável dos credores presentes seja maior do que a metade do valor de todos os créditos presentes na Assembleia Geral de Credores; (ii) a aprovação deve ocorrer em pelo menos três classes; (iii) e que, na classe que rejeitar o plano, pelo menos um terço dos credores deve concordar com a proposta.
Dessa forma, o Plano de Recuperação Judicial foi aprovado por credores que representavam 86,46% do valor de todos os créditos presentes, por três classes e, na Classe I, houve aprovação por mais de um terço, cumprindo todos os requisitos para utilização da regra do cram down.
A reflexão que se faz é: considerando que não haveria melhores condições de recebimento para a classe I – Trabalhista e que houve a aprovação da proposta de pagamento (PRJ) pela Companhia, o interesse coletivo de todos os credores para soerguimento da Companhia é o que deve prevalecer.
Nesse momento o que se aguardará é se a decisão será confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Giulia Lucas Rimbano – Advogada no escritório Yuri Gallinari Advogados. Bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). E-mail: giulia@ygadv.com.br
[1] Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma dos arts. 45 ou 56-A desta Lei. § 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa:
I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;
II – a aprovação de 3 (três) das classes de credores ou, caso haja somente 3 (três) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 2 (duas) das classes ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas, sempre nos termos do art. 45 desta Lei;
III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei.