Medicamento de Alto Custo para Gestantes: Planos de Saúde Têm o Dever de Fornecer

A gestação é um período delicado que, em muitas mulheres, pode desencadear condições clínicas antes adormecidas. Uma das mais debatidas atualmente é a trombofilia, condição que não é uma doença em si, mas um fator de risco para complicações obstétricas graves, como abortos recorrentes, pré-eclâmpsia e tromboses, podendo inclusive resultar em óbito materno-fetal.

Por essa razão, é cada vez mais comum a prescrição de enoxaparina sódica (nome comercial: Clexane), um medicamento anticoagulante de alto custo, indicado por obstetras especializados como medida preventiva fundamental em gestantes com histórico clínico compatível.

O tratamento com Clexane exige aplicação diária até a 6ª semana após o parto, o que resulta em um custo que pode ultrapassar R$ 6 mil por mês — valor inacessível para muitas famílias. Nesse contexto, surge a dúvida: o plano de saúde é obrigado a fornecer esse medicamento?

A resposta é sim. Quando há prescrição médica fundamentada, o plano de saúde tem o dever legal e contratual de custear o medicamento, nos termos do art. 12, I, “b”, da Lei nº 9.656/98, que estabelece a cobertura obrigatória de tratamentos e procedimentos indicados pelo médico assistente.

Além disso, qualquer cláusula contratual que limite esse direito é considerada abusiva e nula, conforme o Código de Defesa do Consumidor e a jurisprudência consolidada dos tribunais.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) editou a Súmula 102, que pacifica o entendimento sobre a obrigatoriedade do custeio de tratamentos prescritos:

“Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.”

Essa diretriz tem sido amplamente aplicada em casos de gestantes diagnosticadas com trombofilia, independentemente de o tratamento estar listado no rol da ANS ou ser considerado de uso domiciliar. Veja algumas decisões recentes:

“Medicamento de aplicação subcutânea, prescrito para uso diário durante toda a gestação e até o 45º dia após o parto, que perfaz tratamento de alto custo para a paciente, não podendo ser equiparado aos medicamentos comuns adquiridos em farmácia. Proteção da vida e da saúde da mãe e do nascituro. Existência de indicação expressa e fundamentada do médico assistente. Aplicação da Súmula nº 102 do TJSP.”TJSP, Apelação Cível 1005000-52.2022.8.26.0564

“Plano de saúde. Cobertura. Medicamento. Enoxaparina sódica (Clexane). Beneficiária gestante portadora de síndrome do anticorpo antifosfolípide. Ausência de previsão no rol da ANS e uso domiciliar. Circunstâncias que não impedem a cobertura. Taxatividade afastada pela Lei nº 14.454/2022. Existência de prescrição médica. Custeio devido.”
TJSP, Apelação Cível 1001743-84.2022.8.26.0704

Importante lembrar que a existência de fornecimento pelo SUS não afasta a obrigação do plano de saúde. Trata-se de uma responsabilidade autônoma da operadora, que decorre do contrato celebrado com o consumidor e da legislação aplicável.

A jurisprudência do STJ e a Lei nº 14.454/2022, que ampliou o alcance do rol da ANS, confirmam que o rol é exemplificativo, e que a prescrição médica baseada em evidências prevalece sobre a negativa contratual.

O uso de anticoagulante como o Clexane em casos de trombofilia não é apenas preventivo — é uma medida de urgência vital. A não administração do medicamento pode causar perda gestacional, pré-eclâmpsia severa, ou até óbito fetal, conforme já atestado por médicos especialistas e reconhecido judicialmente.

Se você está gestante, foi diagnosticada com trombofilia e teve o fornecimento do medicamento negado pelo plano de saúde, procure imediatamente um advogado especializado na área da saúde. O Poder Judiciário tem amparado gestantes nessas situações, garantindo o custeio integral do tratamento com base na prescrição médica, legislação vigente e na proteção ao direito à vida.

Nathália Albuquerque Lacorte Borelli. Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP. Pós-graduada em Gestão e Estratégia Empresarial na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Pós-graduada em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Membro da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/ Campinas. Membro do Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial – CMR. Membro da IWIRC – Brasil. Membro da Comissão de Direito Bancário – nathalia@ygadv.com.br