Sabe-se que o Plano de Recuperação Judicial é elaborado e apresentado nos termos em que a Recuperanda é capaz de cumprir com suas obrigações e adimplir os créditos, visando a manutenção da atividade empresarial.
Assim, quando o Plano é levado a Assembleia Geral de Credores e, colocado para votação perante os seus credores, todos ficam cientes dos moldes em que a empresa poderá adimpli-los e quais os requisitos para que se enquadre em cada classe ou subclasse.
Quando da aprovação do Plano apresentado, a empresa organiza todo o seu caixa para cumprir nos moldes ali aprovados, já tendo definidas as classes, os valores e as formas de pagamento.
Assim, foi criada a ideia de “subclasses”, em que poderia haver credores que teriam uma condição de pagamento diferenciado, desde que se enquadrasse nos requisitos elencados no Plano de pagamento.
O C. STJ ao julgar o RECURSO ESPECIAL nº 1.634.844 – SP[1] exarou o entendimento de que a criação de subclasses é plenamente possível e válida. Além disso foi expresso ao consignar que a criação de subclasse entre os credores da recuperação judicial é possível desde que seja estabelecido um critério objetivo, justificado no plano de recuperação judicial, abrangendo credores com interesses homogêneos, ficando vedada a estipulação de descontos que impliquem verdadeira anulação de direitos de eventuais credores isolados ou minoritários.
Esse tema sempre gerou bastante discussão. O Credor Parceiro para se enquadrar nessa classe de pagamento precisa cumprir todos os requisitos? Como funciona o enquadramento do Credor?
Primeiramente, importante destacar que a essência do Credor Parceiro é a continuidade de fornecimento, seja em vender as mercadorias em melhores condições de pagamento, seja fornecer uma quantia estabelecida de determinado produto, enfim, cada Companhia em seu plano de reestruturação saberá o que é importante para a ascensão de sua reorganização.
Ora, a parceria é sinalagmática, (em grego: “troca mútua”) é, no direito civil, o vínculo de reciprocidade e troca em um contrato entre duas partes, nos contratos, negócios sinalagmáticos, há uma relação de prestação e contraprestação, subsumida na expressão latina do ut des- que significa “dou, para que dês”.
O conceito do credor parceiro é exatamente esse: “dou, para que dês”, essa troca, somente se justifica o pagamento privilegiado se o credor continuar o fornecimento de produtos ou serviços, conforme previsto na cláusula no PRJ.
Diante das inúmeras controvérsias, em recentíssima decisão proferida nos autos do Recurso de Agravo de Instrumento de nº 2008481-15.2023.8.26.0000, julgado perante a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi dado provimento ao recurso determinando que somente os credores que cumprirem integralmente os requisitos previstos no Plano de Recuperação Judicial apresentado, poderão ser classificados na subclasse dos “credores essenciais”, vedando assim, a flexibilização da questão.
Inclusive, o E. TJSP ainda asseverou que no caso concreto, a escolha dos requisitos para a classificação dos credores na subclasse dos “credores essenciais” foi especificamente delineada no plano de recuperação judicial, ou seja, a assembleia de credores definiu os requisitos objetivos para a inclusão de credores nessa subclasse, devendo ser respeitado a soberania relativa da assembleia.
Logo, conclui-se que as subclasses são permitidas, havendo uma decisão consensual entre Credor Fomentador/Parceiro e Recuperanda, e o Credor somente se encaixará na clausula de fornecimento se cumpridos os requisitos fixados no Plano de Recuperação Judicial, não cabendo qualquer exceção ou alteração dada pelo judiciário, já que isso é um aspecto negocial.
Giulia Lucas Rimbano – Advogada no escritório Yuri Gallinari Advogados. Bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: giulia@ygadv.com.br
Nathália Albuquerque Lacorte Borelli. Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP. Pós-graduada em Gestão e Estratégia Empresarial na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Pós-graduanda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Membro da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/ Campinas. Membro do Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial – CMR. Membro da IWIRC – Brasil. Membro da Comissão de Direito Bancário – nathalia@ygadv.com.br
[1] RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PARIDADE. CREDORES. CRIAÇÃO. SUBCLASSES. PLANO DE RECUPERAÇÃO. POSSIBILIDADE. PARÂMETROS. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se é possível a criação de subclasses de credores dentro de uma mesma classe no plano de recuperação judicial. 3. Em regra, a deliberação da assembleia de credores é soberana, reconhecendo-se aos credores, diante da apresentação de laudo econômico-financeiro e de demonstrativos e pareceres acerca da viabilidade da empresa, o poder de decidir pela conveniência de se submeter ao plano de recuperação judicial ou pela realização do ativo com a decretação da quebra, o que decorre da rejeição da proposta. A interferência do magistrado fica restrita ao controle de legalidade do ato jurídico. Precedentes. 4. A Lei de Recuperação de Empresas e Falências consagra o princípio da paridade entre credores. Apesar de se tratar de um princípio norteador da falência, seus reflexos se irradiam na recuperação judicial, permitindo o controle de legalidade do plano de recuperação sob essa perspectiva. 5. A criação de subclasses entre os credores da recuperação judicial é possível desde que seja estabelecido um critério objetivo, justificado no plano de recuperação judicial, abrangendo credores com interesses homogêneos, ficando vedada a estipulação de descontos que impliquem verdadeira anulação de direitos de eventuais credores isolados ou minoritários. 6. Na hipótese, ficou estabelecida uma distinção entre os credores quirografários, reconhecendo-se benefícios aos fornecedores de insumos essenciais ao funcionamento da empresa, prerrogativa baseada em critério objetivo e justificada no plano aprovado pela assembleia geral de credores. 7. A aplicação do cram down exige que o plano de recuperação judicial não implique concessão de tratamento diferenciado entre os credores de uma mesma classe que tenham rejeitado a proposta, hipótese da qual não se cogita no presente caso. 8. Recurso especial não provido.