O direito passa por mudanças constantes, na realidade diárias, com o intuito de se adequar ao que é colocado em prática nos negócios feitos pelas pessoas físicas e jurídicas existentes em nossa sociedade. E, desde que não esteja sendo ferida o direito de outra pessoa, toda mudança que auxilie na circulação de boas atividades e, consequentemente, trazendo benefícios para os seus envolvidos, toda discussão é válida.
É com essa consideração que introduzo as minhas palavras sobre o tema expresso no título, porque é de conhecimento público a regra do art. 5º, XLV, da Constituição Federal, por meio da qual está previsto: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.
O princípio da intranscendência da pena, baseado no dispositivo legal supra, é frequentemente aplicado em casos da matéria penal, que envolvem pessoas físicas que cometeram ato ilícito passível de condenação em algum dos tipos previstos na legislação específica.
E, recentemente, no julgamento do Recurso Especial nº 1.977.172, o Colendo Superior Tribunal de Justiça entendeu pela aplicação também para pessoas jurídicas, validando a extinção da punibilidade de companhia condenada por crime ambiental que, posteriormente, deixou de existir em razão de incorporação por outra que atua dentro da legalidade e sem questões envolvendo a condenação existente.
Sem adentrar ao mérito da questão, que envolve diversos questões e princípios definidos em nosso ordenamento jurídico, é interessante analisar esse acontecimento pelo viés de auxílio na movimentação da economia saudável. Afinal, o resultado prático dessa operação foi a substituição de uma empresa que já estava irregular, tanto que condenada por ter causado prejuízo a terceiros, por outra que exerce suas atividades de forma regular e dentro dos ditames legais.
A importância de decisões colegiadas como a em debate é enorme para que a economia siga circulando e ajude na retomada econômica, realidade infelizmente enfrentada há anos, do país. Porque se, juridicamente falando, houvesse a caracterização da sucessão dos problemas penais oriundos de uma incorporação, qual seria o sentido de realizar investimentos para viabilizar essa operação? Quantos empregos, negócios, recolhimento de tributos e demais oportunidades em geral deixariam de ser criados?
Promovendo uma interpretação analógica, na regra do art. 3º, V da Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), é conferido que: “são direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do país, gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada”.
De forma breve, uma outra comparação é interessante. O art. 1.118 do Código Civil estabelece que “aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio”; e, ao mesmo tempo, o art. 107, I do Código Penal: “extingue-se a punibilidade pela morte do agente”. Até os verbos são os mesmos.
É claro que, na prática, devem ser observados requisitos básicos para não recairmos em fraude e garantir a efetiva entrada de uma nova companhia naquela localização. Não basta simplesmente deixar que a troca de atividades aconteça de forma displicente e prejudicial para a sociedade em que está inserida.
Inclusive, o julgamento desse Recurso Especial pode ser a oportunidade para a criação de requisitos mínimos para viabilizar uma transação nesse contexto, de modo a aumentar a segurança jurídica e evitar discussões futuras no caso de novos movimentos como esse sejam executados.
Até porque, em termos práticos, é melhor colocar em ação uma nova atividade e manter a economia do local circulando – claro, de forma legal e sem novos danos – do que gastar tempo em discussões perante o Poder Judiciário para verificar a extensão de responsabilidade criminal de uma pessoa que deixou de existir.
Yuri Gallinari de Morais. Sócio Fundador do Yuri Gallinari Advogados. Advogado. Membro da Comissão de Estudos de Falência e Recuperação Judicial da OAB Subseção de Campinas/SP. Especialista em Recuperação Judicial e Falência pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas/SP (PUCCAMP). Especializando em Direito Tributário pela Pontifício Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especializando em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral (FDC).