No que tange ao crédito fiscal na falência, o artigo 7°-A, da Lei 11.101/2005 (incluído pela Lei 14.112/2020), passou a prever procedimento específico para habilitação do crédito fiscal, denominado “incidente de classificação do crédito público”, a ser instaurado de ofício pelo juízo falimentar.
O § 4° estabelece competências tanto ao juízo falimentar, quanto ao juízo da execução fiscal. Seu inciso I dispõe que os cálculos, classificação dos créditos, arrecadação de bens, realização do ativo e pagamento dos credores será competência exclusiva do juízo falimentar, ao passo que seu artigo II prevê que a decisão sobre a existência, exigibilidade e valor do crédito, bem como sobre eventual prosseguimento da cobrança contra os corresponsáveis, será competência do juízo da execução fiscal.
O inciso V, do referido artigo – também incluído pela Lei 14.112/2020 -, ainda, prevê que as execuções fiscais permanecerão suspensas até o encerramento da falência. As execuções fiscais a que se refere o artigo V, são aquelas que tiveram seu crédito habilitado por meio do incidente de classificação do crédito público, de maneira que as execuções fiscais que não tiveram seu crédito habilitado podem seguir com seu curso normalmente.
Antes, o artigo 187 do CTN previa que a cobrança judicial de crédito tributário não seria sujeita à habilitação na falência, entre outros, bem como que o crédito tributário teria privilégio sobre os demais créditos.
No entanto, o julgamento favorável da ADPF 357 entendeu que o parágrafo único do referido artigo, bem como a Súmula 563, do STF, seriam incompatíveis com a Constituição Federal.
Assim, a inclusão da totalidade do artigo 7°-A na Lei 11.101 reforçou o que já era entendimento jurisprudencial, no sentido de ser vedado ao fisco a utilização simultânea da execução fiscal e da habilitação do crédito na falência, o que se confirma através de julgamento da Quarta Turma do STJ, que julgou o REsp n° 1872153, e, ainda, explicou sobre a questão do concurso formal e material do crédito tributário na falência.
O voto do Ministro Salomão dispôs que “é certo que os créditos tributários não se submetem ao concurso formal (ou processual) instaurado com a decretação da falência ou com o deferimento da recuperação judicial, vale dizer, não se subordinam à vis attractiva (força atrativa) do juízo falimentar ou recuperacional, motivo pelo qual as execuções fiscais terão curso normal nos juízos competentes”, e, ainda, que “os credores tributários sujeitam- se ao concurso material decorrente da falência, pois deverão respeitar os rateios do produto da liquidação dos bens de acordo com a ordem legal de classificação dos créditos (LREF, artigos 83 e 84)“.
Ou seja, é possível continuar com o curso da execução fiscal mesmo durante o processo falimentar, no entanto, em razão da submissão do crédito fiscal ao concurso material, o fisco deverá respeitar o recebimento pela ordem das classes na falência, de maneira que o recebimento de seu crédito se dará no momento adequado.
Assim, quando tiver dívida líquida, certa e exigível, determinada pelo juízo da execução fiscal, para que possa receber, o fisco deverá habilitar o crédito na falência através do Incidente de Classificação do Crédito Público, e será enquadrado dentro do quadro geral de credores.
O exposto, inclusive, é confirmado pelo doutrinador Marcelo Sacramone1:
“Ao assegurar a competência exclusiva do juiz da execução fiscal para apreciar a existência do crédito, nos termos do art. 156 do CTN, deve estar compreendido exclusivamente na competência deste o reconhecimento da compensação, da transação, da remissão, da prescrição e da decadência.
Permanece na competência do Juízo falimentar, entretanto, a decisão sobre os cálculos e a classificação dos créditos, assim como sobre a arrecadação dos bens, a realização do ativo e o pagamento aos credores . Em atenção à presunção de certeza e liquidez da certidão de dívida ativa, o Juízo da falência pode adequar os cálculos à decretação da falência, bem como determinar a correta natureza do crédito para fins da classificação falimentar.”
É possível concluir que as alterações legislativas, no que tange ao crédito fiscal na Falência, vêm limitando cada vez mais o poder e a influência do Fisco em relação à Massa Falida, e aos demais credores, diferentemente da Recuperação Judicial – hipótese em que o crédito fiscal não é sujeito ao PRJ, e as execuções correm paralelamente ao curso da RJ.
Então, o questionamento que se faz é: vale a pena o Fisco requerer a falência de empresas em recuperação judicial? A dispensa de certidão negativa de débito (CND) – tema este objeto de outro artigo – não trilha um caminho de falência? São questionamentos que convergem à uma unica conclusão: a falência não é benéfica ao Fisco.
Ana Julia Morgado, estudante de direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, cursando o 8° semestre, estagiária na Yuri Gallinari Advogados.