A cada ano que passa, empresários ou sociedades empresárias de diversos ramos que, antes pareciam ser imunes a crises econômicas, aparecem nos noticiários com a possibilidade de ter efetivado o seu pedido de Recuperação Judicial. E, junto com alguns, sempre vem à tona a discussão sobre a sua legitimidade para praticar o ato.
Já passaram por esses entraves os produtores rurais que operavam enquanto empresários individuais; os clubes de futebol, hospitais e demais entidades no formato de associação e, agora, com o anúncio das dificuldades para saldar suas obrigações, se inicia o embate sobre uma concessionária de energia elétrica conseguir se socorrer ao Poder Judiciário ou não.
Como nas discussões anteriores, que já foram superadas com entendimentos jurisprudenciais e, no caso do produtor rural, com alteração do próprio texto legal. É certo que, se companhias detentoras da concessão não puderem se valer de medidas judiciais para eventual reestruturação, o prejuízo estará em volta de todos os indivíduos que permeiam o negócio, desde os trabalhadores até os acionistas.
Logo, a intenção desse texto não é discutir exatamente a validade ou constitucionalidade do dispositivo legal constante na Lei nº 12.767/2012 que prevê a não aplicação da Lei nº 11.101/2005 para essas companhias, mas sim quais as consequências de não poder utilizar o Poder Judiciário para se reorganizar.
Afinal, é inegável que as sociedades criadas com esse intuito prestam um serviço essencial para a população como um todo, independente de classe social ou região, que é o fornecimento da energia elétrica. A consequência da paralisação de atividades pode ser catastrófica, mesmo que outra a substitua em curto espaço de tempo. Não há como dimensionar o prejuízo que pode ser causado.
Portanto, também não se pode negar que uma companhia detentora da concessão para tal fornecimento não é um agente econômico, cujo funcionamento reverte benefícios incontáveis para o ecossistema onde está inserida, direta e indiretamente. A sua preservação é consequência da manutenção de muitas atividades que nela estão envolvidas.
Sob a ótica social da questão, é inequívoco que qualquer concessionária de energia elétrica se enquadra na regra do art. 47 e, para complementar, não está nas hipóteses de empresas que não podem se valer dentro do art. 1, ambos da LRF. Tornando, mais uma vez, a discussão extremamente rica no âmbito socioeconômico que o instituto da Recuperação Judicial está envolvido.
Foi nessa mesma linha de raciocínio que produtores rurais, hospitais e clubes de futebol puderam se reestruturar. É muito importante acompanhar as movimentações e necessidades de mercado, porque certamente haverá o dia em que uma concessionária de energia ou qualquer outra companhia cujo ramo tenha impedimento legal tenha que utilizar os benefícios da Lei nº 11.101/2005, sob pena de consequências irremediáveis para todos que utilizam o seu produto ou serviço.
Yuri Gallinari de Morais. Sócio-Fundador do Yuri Gallinari Advogados. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Especialista em Recuperação Judicial e Falência pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Especializando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: yuri@ygadv.com.br