A importância da escolha de um advogado capacitado para representação em Assembleia Geral de Credores de recuperação judicial não pode ser subestimada. Considerando a extrema complexidade do processo, e o envolvimento de interesses significativos de credores, devedores e outras partes envolvidas, a seleção de um advogado competente é crucial para garantir que os interesses de todos sejam adequadamente representados e protegidos.
Em recente decisão proferida pelo D. Juiz, Paulo Furtado de Oliveira Filho, nos autos da recuperação judicial n° 1076535-12.2021.8.26.0100, foram invalidados todos os votos em Assembleia Geral de Credores, proferidos por advogada que, embora tivesse procuração assinada pelos credores, não continha poderes para transigir, mas apenas poderes específicos para participar da AGC.
Ainda para que não houvesse mais nenhum problema com a questão do Plano de Recuperação Judicial, salientou que na procuração deveria conter ainda a referência expressa às cláusulas do plano que estabelecem as novas condições de pagamento a cada credor outorgante, bem como prova documental de que informou adequadamente os credores trabalhistas acerca das consequências da aprovação e da rejeição do plano.
Neste sentido, colaciona-se o trecho da decisão que invalidou os votos proferidos pela advogada:
“Em terceiro lugar, o AJ esclareceu que “A presença da Ilustre advogada na Assembleia do dia 09/12/2022 foi registrada momento antes da instalação, conforme lista de presença que ora se anexa (DOC.1). Nesse ponto, repisa-se, as sessões ocorridas em 09/02/2023 e 09/03/2023 foram continuidade do conclave instalado em dezembro de 2022”. Portanto, a participação da advogada nas deliberações não podia ser impedida.
No entanto, deve ser refeita a AGC pela seguinte razão: todas as procurações juntadas pela advogada não contêm poderes para transigir, mas para simples participação em AGC, o que não está de acordo com a lei. […]
Nos termos do artigo 661 do CC e respectivo parágrafo único, o mandato em termos gerais só confere poderes de administração, mas para alienar ou hipotecar, transigir ou praticar quaisquer outros atos que exorbitem da administração, depende a procuração de poderes especiais e expressos.
Portanto, só pode votar acerca da aprovação do plano o mandatário com poderes especiais e expressos, ou seja, com expressa autorização do credor para transigir em determinada recuperação judicial, como sustentam Erasmo Valladão Azevendo N. França e Marcelo Vieira Von Adamek: […]
Tudo indica que a decisão dos credores não foi tomada de forma consciente, a recomendar a intervenção do Poder Judiciário, com o objetivo de assegurar a legitimidade da deliberação acerca do plano de recuperação.
Pelo exposto, invalido os votos proferidos pela advogada […], e, como condição para sua atuação na AGC que será realizada nos próximos 60 dias, deverão ser juntadas procurações com poderes especiais para transigir, com referência expressa às cláusulas do plano que estabelecem as novas condições de pagamento a cada credor outorgante, bem como prova documental de que informou adequadamente os credores trabalhistas acerca das consequências da aprovação e da rejeição do plano.”
Diante da decisão supramencionada, resta evidente que a escolha de um advogado capacitado e especializado se faz absolutamente necessária na seara recuperacional, seja para preservar e alcançar os interesses do credor/devedor, seja para evitar a exposição a qualquer tipo de constrangimento.
Além disso, o caso acima apresenta outra peculiaridade: a advogada, além de ser contratada por credores, também atuava para a devedora. O D. Juízo bem explicou que, “embora a lei não vede expressamente a atuação, em favor do credor, de um procurador contratado pelo devedor, é inegável o risco de conflito de interesses, especialmente quando a procuração não contém nada, absolutamente nada a respeito da instrução do voto e da cláusula que trata das condições de pagamento do credor outorgante.”
Ou seja: o voto de todas as empresas que haviam contratado a advogada como procuradora tiveram seu voto anulado, simplesmente pela falta de atenção a detalhes que poderiam ter mudado todo o rumo da recuperação judicial, com a consequente consecução dos interesses dos credores e devedores.
Em suma, o caso apresentado enfatiza a importância fundamental de optar por um profissional capacitado e especializado para representação em Assembleia Geral de Credores durante a recuperação judicial. A complexidade do processo e a possibilidade de conflitos de interesses exigem a expertise de um profissional que compreenda profundamente a legislação e os acordos em questão, sendo que a decisão mencionada acima ilustra como a escolha de um advogado sem os poderes adequados pode resultar na invalidação de votos e, consequentemente, prejudicar as partes envolvidas.
Ana Julia Morgado, estudante do 10° semestre do curso de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, estagiária no escritório Yuri Gallinari Advogados.