A PEC DA RELEVÂNCIA E O DIREITO DO ACESSO À JUSTIÇA

Entre os diversos temas que são veiculados diariamente no universo jurídico, é certo que a Proposta de Emenda à Constituição nº 39/21, conhecida como a “PEC da Relevância”, é um dos mais comentados no momento, em razão da criação de mais um pressuposto de admissibilidade para o Recurso Especial.

Referido remédio processual é previsto na regra do art. 105, III da Constituição Federal, cujas hipóteses de cabimento estão presentes nas alíneas “a”, “b” e “c” do texto legal. Sendo aceito recursos que, além de não poderem revisitar fatos e provas e de temas que já tenham sido discutidos previamente no processo, por exemplo, contrariar ou negar vigência à Lei Federal; julgar válido ato de governo local em detrimento à Lei Federal; ou atribuir interpretação diversa, entre Tribunais, à Lei Federal.

Já são consideráveis os requisitos criados para a sua admissão, sendo que os criados por entendimentos que se tornaram súmulas contêm textos, em algumas situações, que abrem margem para diversas interpretações, limitando ainda mais as possibilidades de que um Recurso Especial seja sequenciado ao Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Porém, está pendente de promulgação a PEC da Relevância, que cria mais um obstáculo para o seguimento desses recursos: a demonstração da relevância da questão jurídica discutida. Trata-se de movimento semelhante com ao já existente para a admissão de Recurso Extraordinário, que é interposto perante o Supremo Tribunal Federal.

Em breve síntese, por exemplo: discussões que resultem de processos envolvendo grande monta; atos de improbidade administrativa; demandas que colocam em xeque direitos de muitas pessoas concomitantemente. O motivo para a sua aceitação é a redução de recursos que objetivem a resolução de, apenas, interesses das partes.

São alterações sensíveis e que, na prática do direito no dia a dia, podem acabar cerceando o direito de acesso à justiça, porque em diversas situações existem pontos que não são plenamente julgados de acordo com o trazido ou, até mesmo, não representam o entendimento pacífico dos Tribunais de Justiça ou, até mesmo, do próprio Superior Tribunal de Justiça.

Continuando, é sabido que a grande maioria das demandas judiciais não são de grandes montas, mas dadas as devidas proporções, tem a importância para as partes que lá estão ou outras que poderão ter a mesma questão para ser solucionada pelo Poder Judiciário em algum momento.

E mais: se a intenção é reduzir a quantidade de recursos para que o C. STJ exerça a sua função de uniformização jurisprudencial, fica o questionamento se não seria mais eficiente a manutenção e criação de mais iniciativas para a redução do uso do Poder Judiciário como única maneira de resolução de conflitos. Quanto menos processos, menos recursos, é logica simples.

Logo, com a promulgação dessa alteração, ficará ainda mais reduzida a oportunidade para a discussão de resultados justos e que reflitam à realidade de quem está litigando. Afinal, o termo “relevância” é muito subjetivo e, certamente, tem a sua intensidade e valor para cada um, especialmente em um território com dimensões continentais como o do Brasil.

Ainda não há como saber se existirão relativizações ou em quais situações especificamente a regra poderá ser considerada ou não, mas dado o movimento prático – todos atuantes em qualquer ramo do direito sabem do baixo índice de admissões de Recurso Especial – não existem dúvidas que será cada vez mais rara a notícia de um seguimento recursal.

Yuri Gallinari de Morais. Sócio-Fundador do Yuri Gallinari Advogados. Especialista em Recuperação Judicial e Falência pela Faculdade de Direito Autônoma de São Paulo (FADISP) e em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Pós-Graduando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Membro da Comissão de Estudos de Falência e Recuperação Judicial da OAB/SP, Subseção de Campinas/SP.