CONSOLIDAÇÃO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Os instrumentos da consolidação processual e da consolidação substancial, antes das alterações legislativas trazidas pela Lei 14.112/2020, não tinham qualquer positivação específica, sendo que as hipóteses de unificação de planos de recuperação judicial em único procedimento, bem como, a unificação de ativos e passivos de empresas que integravam um mesmo grupo econômico, eram hipóteses discutidas apenas pela jurisprudência e por doutrinas, sendo a regra de litisconsórcio ativo, presente nos artigos 113 e seguintes, do CPC, utilizada como norte para fundamentá-las subsidiariamente até então.

Visando sanar a insegurança jurídica gerada pela falta de positivação das consolidações processual e substancial, o legislador, ao redigir a Lei 14.112/2020, incluiu os artigos 69-G e 69-J, passando a prever expressamente os referidos remédios jurídicos.

A consolidação processual, prevista entre artigos 69-G e 69-I, se refere à possibilidade de um grupo econômico, de fato ou de direito, compor um litisconsórcio ativo facultativo, e ingressar com um só processo de recuperação judicial, contando com planos diferentes e autônomos entre si, sendo que sua maior característica é a conservação da autonomia das empresas.

No que tange às suas particularidades quanto ao plano de recuperação judicial, os §§ 1º e 2°, do artigo 69-I, da Lei 14.112/2020, preveem que os planos de recuperação judicial de empresas sob consolidação processual devem abordar as singularidades de cada uma das empresas, na medida de seus ativos e passivos, podendo ser apresentados em planos autônomos, ou em um único plano, a depender da necessidade do litisconsórcio.

Ainda, preveem que os planos serão deliberados em assembleias-gerais de credores independentes, o que reforça a característica da autonomia da consolidação processual, visando manter, inclusive, os interesses individuais para manutenção da atividade de cada uma das empresas.

O entendimento do Ilustre professor, Marcelo Sacramone[1], ilustra claramente as particularidades da apresentação do plano de recuperação judicial sob consolidação processual:

Como consequência da autonomia patrimonial, os planos devem ser separados para cada pessoa jurídica, ainda que integrem um único documento, e cada qual deverá ser votado por seus próprios credores, em Assembleia Geral de Credores que deverá ser instalada e ter quórum de deliberação conforme quórum obtido entre os credores de cada um dos empresários devedores.

Por fim, a competência de ajuizamento está prevista no § 2°, do artigo 69-G, que prevê que: “O juízo do local do principal estabelecimento entre os dos devedores é competente para deferir a recuperação judicial sob consolidação processual […]”.

A consolidação substancial, por sua vez, encontra respaldo legal entre os artigos 69-J e 69-L, da Lei 14.112/2020, e se trata de uma medida excepcional que unifica o patrimônio de empresas em recuperação judicial sob consolidação processual, retirando o caráter de autonomia conferido a elas, e que utilizada apenas nas hipóteses em que for constada evidente interconexão e confusão entre os ativos desses devedores, não sendo possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos.

Ela se difere da consolidação processual à medida que o Juiz, de ofício ou a pedido de credor, ao detectar a existência de confusão patrimonial, e de ao menos 2 (dois) dos requisitos presentes no rol de incisos do artigo 69-J, rompe o véu da autonomia patrimonial das empresas, autorizando a unificação de todos os ativos e passivos delas, os utilizando forma de pagamento para todos os credores por meio de um só plano.

Ela ocorre quando atendido ao menos um dos requisitos presentes no artigo 50, § 2°, do Código Civil, alterado pela Lei n° 13.874/2019.

Em razão de seu caráter atípico, além da constatação de confusão patrimonial entre as empresas, é necessário que sejam preenchidos ao menos 2 (dois) requisitos previstos no rol taxativo de incisos do artigo 69-J, da Lei Falimentar, sendo eles:

“I – existência de garantias cruzadas;      

II – relação de controle ou de dependência;       

III – identidade total ou parcial do quadro societário; e      

IV – atuação conjunta no mercado entre os postulantes.   

A unificação de ativos e passivos, inclusive, está prevista no artigo 69-K, da Lei Falimentar, que prevê que: “em decorrência da consolidação substancial, ativos e passivos dos devedores serão tratados como se pertencessem a um único devedor”.

Quanto às particularidades do plano de recuperação judicial, a apresentação das listas de credores e do plano de recuperação dar-se-ão de maneira conjunta e unificada, sendo o plano apresentado em apenas uma assembleia-geral de credores, composta pela totalidade dos credores das litisconsortes, nos termos do artigo 69-L, da Lei 14.112/2020.

Por fim, no que concerne a competência para julgar o procedimento de consolidação substancial, esta é exclusiva do Juiz que já julgava a recuperação judicial sob consolidação processual, que nos remete ao § 2°, do artigo 69-G, que prevê: “O juízo do local do principal estabelecimento entre os dos devedores é competente para deferir a recuperação judicial sob consolidação processual (…)”.

Isso porque o artigo 69-J traz expressamente a regra de que o Juiz só poderá autorizar a consolidação substancial de litisconsortes que estejam em recuperação judicial sob consolidação processual, logo, a competência para julgar o procedimento será do Juiz originalmente competente.

Ana Julia Morgado, estudante de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, cursando o 9° semestre, estagiária no escritório Yuri Gallinari Advogados


[1] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021