CONTRATO DE NAMORO: SURGIMENTO E RELEVÂNCIA JURÍDICA

Não é novidade que o ordenamento jurídico brasileiro vigente reconhece o vínculo afetivo entre duas pessoas, sem que haja a formalidade do casamento, para a constituição de uma família. No entanto, nem sempre foi assim.

Até a Constituição Federal de 1967, o conceito de família era diretamente relacionado com o casamento entre um homem e uma mulher.

Acontece que, com a evolução da sociedade, novas relações foram ganhando notoriedade, razão pela qual, a partir da promulgação da Constituição de 1988, foi expressamente reconhecida como nova forma de entidade familiar a chamada “união estável”, que nada mais é que “a união entre duas pessoas, de forma duradoura, contínua, e com objetivo de constituir família[1]”, e que não legalmente casadas.

Assim, a união estável passou a ter os mesmos efeitos jurídicos do casamento, dentre eles, a aplicação do regime de comunhão parcial de bens, com respaldo no artigo 1.658[2], que dispõe que os bens adquiridos pelo casal na constância do casamento farão parte da comunhão de bens, e no artigo 1.660.

Neste sentido, dentre as novas relações que vêm sendo discutidas e ganhando notoriedade, está o chamado “namoro qualificado”, que divide uma linha tênue com a união estável.

O namoro qualificado conta com muitas das características da união estável, tais como o relacionamento público, contínuo e duradouro, sendo que, em alguns casos, o casal que constitui o namoro até mesmo coabita. Nesse caso, no entanto, o casal não tem a intenção de constituir família, e, muitas vezes, de realizar qualquer comunhão de bens.

Acontece que, diante das inúmeras semelhanças entre um e outro, e diante do fato de que as provas para o reconhecimento da união estável são, em sua maioria, testemunhais, esta muitas vezes pode ser configurada por falta de evidências contrárias, o que resulta em efeitos jurídicos indesejados.

E um dos efeitos que muitas vezes é indesejado, conforme anteriormente exposto, é a comunhão de bens.

Assim, no intuito impedir o reconhecimento da união estável, bem como de blindar o patrimônio pessoal das partes, surgiu o advento do contrato de namoro, que é a celebração de um contrato em que o casal deixa claro que seu relacionamento é apenas um namoro, e que não possuem a intenção de constituir uma família.

Para que o contrato tenha validade, deverá ser realizado através de escritura pública, de forma escrita e lavrado por um Tabelião de Notas.

É importante ressaltar que, mesmo que seja pactuado um contrato de namoro, se restar comprovada a união estável, o contrato perderá sua validade.

Mesmo sendo um assunto recente e bastante discutido, os tribunais vêm cada mais reconhecendo a validade do contrato de namoro para fins de anulação da união estável.

Como exemplo, temos um julgado do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, que levou em consideração o contrato de namoro pactuado entre o casal, reconhecendo o não preenchimento dos requisitos necessários para a configuração da união estável:

APELAÇÃO. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com partilha de bens. Sentença que julgou improcedente a ação. Inconformismo da parte autora. Não preenchidos os elementos essenciais caracterizadores da união estável previstos na lei. Contrato de namoro firmado pelas partes. Caracterizado simples namoro, sem intenção de formação de núcleo familiar. Sentença mantida. Recurso desprovido.

(TJ-SP – AC: 10008846520168260288 SP 1000884-65.2016.8.26.0288, Relator: Rogério Murillo Pereira Cimino, Data de Julgamento: 25/06/2020, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/06/2020)

Conclui-se, portanto, que o contrato de namoro serve como uma forma de resguardar o casal dos efeitos jurídicos da união estável e do casamento, reconhecendo que a relação entre as partes é de um mero namoro. No entanto, é necessário cuidado, porque caso sejam preenchidos todos os requisitos para a configuração da união estável, o contrato perderá sua validade.

Ana Julia Morgado, graduanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, cursando o 8° semestre. Estagiária do Yuri Gallinari Advogados.


[1] Institui o Código Civil.

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

[2] Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.