É POSSÍVEL ALEGAR A IMPENHORABILIDADE DE VAGA DE GARAGEM?

Muito se discute sobre a impenhorabilidade do bem de família. De fato, se o imóvel é o único bem do devedor, não há como expropriá-lo (Lei nº8.009/90 e do artigo 1712 do Código Civil).

Entretanto, o Credor na busca de satisfação do seu débito, acaba por realizar inúmeros pedidos de bloqueios de bens. Recentemente, no escritório, nos deparamos com a penhora de vagas de garagem.

Ao ingressar na demanda executiva, verificamos que o bem estava com leilão marcado.

Ocorre que, há algumas questões que deverão ser ponderadas.

As vagas de garagem de condomínios estritamente residenciais são diretamente vinculadas à unidade habitacional dos moradores (apartamento/casa), de maneira, em vagas de garagem como ao do caso em tela, não era possível a alienação a terceiros, nos termos do art. 2°, § 1º da Lei 4.591/64, salvo disposição expressa em convenção do condomínio em sentido contrário, conforme prediz o § 1º do art. 1.331 do Código Civil:

“Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1 o As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio

E pior, no caso vertente, não havia qualquer autorização presente em convenção do condomínio que previsse a alienação de vagas de garagem a terceiros, independentemente de o motivo ser a realização de um leilão, até porque, permitir a livre locomoção de terceiros não residentes no condomínio colocaria até mesmo a segurança dos demais condôminos em risco – até o momento de ingressarmos nos autos, ninguém havia levantado tal questão.

Neste sentido, inclusive, já se manifestou o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, ao proferir o acórdão referente ao Recurso de Apelação n° 1090191-75.2017.8.26.0100:

“Por sua vez, o item 3 das Disposições Transitórias da Convenção de Condomínio esclarece que as demais garagens são de propriedade privativa dos condôminos. […]

Nos edifícios-garagem a que se refere o art. 1º, § 3º da Lei nº 4.591/64 as unidades autônomas são vagas de garagem vinculadas às frações ideais do terreno e às coisas de uso comum, ou seja, sua propriedade não é ligada à de unidade autônoma de outra natureza, razão pela qual não existe restrição para que sejam livremente alienadas pelo proprietário.

Nos demais edifícios, ou seja, naqueles em que as unidades autônomas são apartamentos, lojas, sobrelojas, escritórios e casas, a propriedade das garagens se vincula à unidade autônoma a que corresponder, isto é, de que houver o mesmo proprietário, conforme conceito contido no § 1º do art. 2º da Lei nº 4.591/64. […]

O fato de se revestir da forma de unidade autônoma com matrícula exclusiva, contudo, não torna a garagem livremente alienável quando não integrar edifício-garagem, isto é, edifício destinado à guarda de veículos.

Ao contrário, nos demais condomínios edilícios, não consistentes em edifícios-garagem, a alienação de vaga de garagem a quem não for proprietário de unidade autônoma depende de expressa autorização na convenção do condomínio, como previsto na parte final do § 1º do art. 1.331 do Código Civil: […]

Porém, qualquer que seja a natureza das garagens (garagem comum ou garagens privativas), a Convenção do Condomínio não contém autorização para que sejam alienadas a terceiros não condôminos, isto é, para pessoas não proprietárias de unidades autônomas consistentes em apartamentos ou lojas. […]

Sua finalidade é a de reger as relações entre os condôminos que, como esclarecido, são proprietários de partes de domínio exclusivo e ao mesmo tempo de partes de domínio comum entre todos, razão pela qual, como esclarece J. Nascimento Franco, consiste em verdadeira lei interna do edifício: […]

Além disso, não houve interpretação contrária aos fins sociais da lei e exigências do bem comum, pois a convenção do condomínio rege as relações entre os proprietários de unidades autônomas de forma a atender os interesses da coletividade dos condôminos e não a interesse individual sobre a possibilidade, ou não, de alienação de garagem para pessoas estranhas ao condomínio.[…]

Ante o exposto, nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro do contrato particular de compromisso de compra e venda.

Ou seja, não é razoável que o Credor queira a alienação da vaga de garagem de um condomínio residencial, colocando em risco a segurança de todos os demais condôminos, apenas para a satisfação de seu crédito.

Além disso, o artigo 805 do Código de Processo Civil estabelece que:

Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.

Ora, a impossibilidade de realização do leilão da vaga de garagem é um assunto que abrange muitas outras pessoas e interesses além do Credor.

Com a argumentação acima exarada, o juízo deferiu a liminar e consequentemente suspendeu o leilão.

Assim, é possível concluir a necessidade de sempre estar amparado por especialista, uma vez que a vaga de garagem poderia ser leiloada por um simples interesse egoísta do Credor, trazendo sérios prejuízos ao devedor, como aos demais condôminos.

Nathália Albuquerque Lacorte Borelli. Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP. Pós-graduada em Gestão e Estratégia Empresarial na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Pós-graduada em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Membro da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/ Campinas. Membro do Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial – CMR. Membro da IWIRC – Brasil. Membro da Comissão de Direito Bancário – nathalia@ygadv.com.br