É POSSÍVEL O AFASTAMENTO DE SÓCIO MAJORITÁRIO POR COMETIMENTO DE FALTA GRAVE?

O que une mais de uma pessoa para criar uma sociedade empresária é o affectio societatis.

A expressão “affectio societatis” é a intenção, a vontade forte de se associar, de formar a sociedade; é a vontade de união e aceitação de regras comuns; é o elo de colaboração ativa entre os sócios; é a intenção de unir esforços e recursos para obter resultados comuns que, isoladamente, talvez não pudessem ser plenamente obtidos

Ocorre que por muitas vezes, o elo que une os sócios acaba se rompendo.

A legislação civil estabeleceu a possibilidade da sociedade buscar uma solução para quando um ou mais sócios estejam descumprindo o princípio da boa-fé e colocando em risco o exercício da própria atividade empresarial, em especial pela violação ao dever de sua função social.

A legislação estabeleceu dois requisitos para que fosse possível a realização de uma exclusão extrajudicial de sócio nas sociedades limitadas, sendo o primeiro a prática de atos de inegável gravidade por sócio, e o segundo a previsão expressa no Contrato Social da sociedade de se proceder à exclusão extrajudicial por justa causa.

Contudo, muito se discute, se os sócios que detém minoria do capital social poderão excluir o sócio que detém maior capital social.

Primeiramente, é necessário analisar o contrato social e verificar se há clausula que preveja a exclusão de sócio por justa causa.

Em caso negativo, os demais sócios poderão recorrer a aplicação do disposto no art. 1.030 do Código Civil, ou seja, socorrerem-se do Poder Judiciário para realizar a exclusão do sócio faltoso.

Em suma: para ajuizar a ação judicial com o objetivo de exclusão do sócio, é necessário a iniciativa da maioria dos demais sócios por óbvio, excluindo-se o sócio que se pretende excluir), e, em um segundo momento, proceder à exclusão do sócio, circunstância que culmina, inexoravelmente, na consequente apuração de haveres do sócio excluído e na redução do capital social da sociedade.

Contudo, para a exclusão judicial, não é suficiente, pois, a mera quebra da affectio societatis, impondo-se a configuração da falta grave praticada pelo sócio (que são inúmeras, como não cumprir com as suas funções, concorrência desleal, ou até mesmo cometimento de ato criminoso), a qual há de ficar bem delineada no conjunto probatório.

 Assim, os sócios minoritários ou majoritários que pretendam a exclusão de algum ou alguns sócios, “deverão ingressar em juízo indicando a ocorrência de falta grave praticada pelo faltoso no cumprimento das obrigações”, considerando-se justa causa, segundo Franco Di Sabato, a “que não permite o normal prosseguimento das obrigações sociais e que seja decorrente do comportamento de outros sócios, consistente na violação de obrigações contratuais específicas ou dos deveres de boa-fé e de probidade[1]”.

Ainda, note-se que o caput do art. 1.030 refere-se à maioria dos sócios, e não à maioria do capital.

A justificativa do texto é explicada pelo Professor Arnold Wald[2]:

Na realidade, há que se convir que a dissolução parcial, conforme anteriormente referido, é uma forma de preservação da sociedade, não sendo influenciada pelos conceitos de maioria e minoria. Daí porque ser possível a exclusão do sócio majoritário, se necessário para a preservação do fim social para o qual a sociedade foi constituída. Assim, a maioria dos demais sócios à qual se refere o legislador pode, em princípio, representar a minoria do capital da sociedade.

Além disso, a questão é tratada no enunciado 216 CJF:

O quórum de deliberação previsto no art. 1.004, parágrafo único, e no art. 1.030 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios, consoante a regra geral fixada no art. 999 para as deliberações na sociedade simples. Esse entendimento aplica-se ao art. 1.058 em caso de exclusão de sócio remisso ou redução do valor de sua quota ao montante já integralizado

Não é outra a orientação da Corte Superior:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO SOCIETÁRIO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.

CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. SÓCIO MAJORITÁRIO. PRÁTICA DE FALTA GRAVE. EXCLUSÃO. ART. 1.030 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. SÓCIOS

MINORITÁRIOS. INICIATIVA. POSSIBILIDADE. 1. Controvérsia limitada a definir se é possível a exclusão judicial de sócio majoritário de sociedade limitada por falta grave no cumprimento de suas obrigações, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios.

2. Nos termos do Enunciado nº 216/CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, o quórum de deliberação previsto no art. 1.030 do Código Civil de 2002 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios.

3. Na apuração da maioria absoluta do capital social para fins de exclusão judicial de sócio de sociedade limitada, consideramse apenas as quotas dos demais sócios, excluídas aquelas pertencentes ao sócio que se pretende excluir, não incidindo a condicionante prevista no art. 1.085 do Código Civil de 2002, somente aplicável na hipótese de exclusão extrajudicial de sócio por deliberação da maioria representativa de mais da metade do capital social, mediante alteração do contrato social.

4. Recurso especial não provido.(REsp n. 1.653.421/MG, relator Ministro Ricardo Villas Bôas

Cueva, Terceira Turma, julgado em 10/10/2017, DJe de 13/11/2017.)

Logo, o ideal para exclusão de sócios, é que haja um especialista no caso, para orientá-lo de melhor forma, já que o caso tem suas particularidades e precisa de vasto conjunto probatório para que o sócio majoritário seja excluído.

Nathália Albuquerque Lacorte Borelli. Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP. Pós-graduada em Gestão e Estratégia Empresarial na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Pós-graduada em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Membro da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/ Campinas. Membro do Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial – CMR. Membro da IWIRC – Brasil. Membro da Comissão de Direito Bancário – nathalia@ygadv.com.br


[1] (opus cit., p. 54, item 13.2).

[2] Comentários ao Novo Código Civil, Livro II Do Direito de Empresa , v. XIV, Forense, p. 238)