O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) é uma importante ferramenta do ordenamento jurídico brasileiro para a solução de questões jurídicas repetitivas que tramitam na seara das Justiças Estadual e Federal. Ele tem como fundamento jurídico o artigo 976 do Código de Processo Civil, que autoriza o Tribunal de Justiça a decidir questões de direito relevantes e com multiplicidade de processos.
Os impactos do IRDR são significativos, pois permitem a uniformização da jurisprudência e a redução do número de processos em tramitação. Além disso, ele confere maior segurança jurídica às partes envolvidas, pois uma vez definida a tese jurídica a ser aplicada a todos os casos similares, é evitada a possibilidade de decisões conflitantes e divergentes em instâncias diferentes.
Além disso, ele confere maior celeridade aos processos, uma vez que, ao ter uma decisão consolidada acerca de determinado assunto, os processos conseguem fluir com maior rapidez.
Para que um caso possa ser submetido ao IRDR, é necessário que ele atenda a alguns requisitos[1]. O primeiro deles é a presença de uma questão jurídica relevante e com multiplicidade de processos. Isso significa que a questão deve ser suscitada da mesma maneira em diversos processos, e que a solução dela pode influenciar a decisão desses casos.
Outro requisito importante é que a questão não tenha sido pacificada pela jurisprudência dos tribunais superiores. Se já houver uma tese consolidada sobre o assunto, não há necessidade de se submeter o caso ao IRDR. Além disso, é necessário que a questão seja de direito e não envolva análise de provas ou fatos.
Nesta toada, o procedimento do IRDR exige que o pedido seja feito pelo juiz da causa, pelo relator do recurso ou pelo Ministério Público. Após a admissão do incidente pelo tribunal competente, é aberta uma fase de instrução probatória, em que são ouvidos os interessados e os amici curiae (partes interessadas que não são partes no processo). Ao final, é proferida uma decisão que terá efeito vinculante em todos os processos que tratem da mesma questão jurídica.
Como exemplo, temos os seguintes IRDRs, admitidos pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, respectivamente:
“INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. AÇÃO RESCISÓRIA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 97 DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE GUARULHOS. FIXAÇÃO DE TESES.
1. As decisões proferidas em reclamações trabalhistas que reconheceram direito à percepção de quinquênios e sexta-parte de vencimentos, com fulcro no artigo 97 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos, transitadas em julgado sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 não se mostram passíveis de corte rescisório por afronta à Súmula 25 deste Regional.
2. As decisões proferidas em reclamações trabalhistas que reconheceram direito à percepção de quinquênios e sexta-parte de vencimentos, com fulcro no artigo 97 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos – declarado inconstitucional pelo TJ/SP, sem modulação de efeitos, por força da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2083718-70.2014.5.8.26.0000 – passadas em julgado antes de 5 de fevereiro de 2015 (data de publicação da decisão da ADI no DJE) – não são passíveis de corte rescisório, com base no artigo 966 , V, do CPC/2015 (artigo 485, V do CPC/1973), pois ainda não transitada em julgado a decisão proferida na ADI, pendente de análise perante o Supremo Tribunal Federal.”
“Teses firmadas no Tema Repetitivo 996:
1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, são as seguintes:
1.1 Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.
1.2 No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.
1.3 É ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.
1.4 O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.”
O primeiro incidente trata de demandas repetitivas relacionadas à percepção de quinquênios e sexta-parte de vencimentos por servidores públicos do município de Guarulhos/SP. A Lei Orgânica municipal previa, em seu artigo 97, a concessão desses benefícios aos servidores.
No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a inconstitucionalidade desse artigo em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.
O entendimento segue no sentido de que as decisões judiciais que os direitos supramencionados, e que transitadas em julgado antes da data de publicação da decisão da ADI, não são passíveis de corte rescisório. Por outro lado, as decisões transitadas em julgado após essa data não se mostram passíveis de corte rescisório por afronta à Súmula 25 do Tribunal Regional do Trabalho.
Já o segundo incidente trata de contratos de compra e venda de imóveis em construção sob o programa “Minha Casa, Minha Vida”, tratando especificamente de cláusulas e responsabilidades que devem ser observadas, tanto em relação ao adquirente, quanto ao alienante.
Em resumo, o IRDR é uma importante ferramenta do sistema jurídico brasileiro, que permite a uniformização da jurisprudência e a solução de questões jurídicas repetitivas de forma mais rápida, eficiente e célere, além de garantir maior segurança jurídica às partes envolvidas e reduzir o número de processos em tramitação.
Ana Julia Morgado, estudante do 9° semestre do curso de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, estagiária na Yuri Gallinari Advogados.
[1] “Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:
I – efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;