Em que pese a legislação atual se valer de meios diversos para assegurar que os genitores cumpram com suas obrigações pecuniárias perante sua prole, não se verificou o mesmo esforço legislativo para que as obrigações afetivas estivessem cobertas com o manto protetivo do ordenamento jurídico.
Assim, verifica-se que em muitas famílias brasileiras, o núcleo familiar é composto por apenas um dos pais que se faz presente afetivamente e um segundo que, quando muito, colabora financeiramente com o básico, se esquivando assim das demais responsabilidades familiares.
Tendo em vista o cenário apresentado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, recentemente decidiu pela condenação de pai pelo abandono afetivo de sua filha, como não se verifica a possibilidade de afeto compulsório, a solução encontrada foi a sanção pecuniária, e para tanto, decidiu o Tribunal, de forma simbólica, pela condenação em R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Ainda, cientes de que o valor por si só não acarretaria reversão em grandes benefícios para a menor a longo prazo, restou decidido que o pai deveria arcar também com o custeio do tratamento psicológico da criança, que já vinha apresentando sinais de desgaste emocional e de desenvolvimento pela ausência de vínculo afetivo.
Na decisãoem questão, o relator pontuou que ainda que a relação entre os genitores não seja boa, a justificativa não é o suficiente para que o pai se afaste da filha, entendimento que possui o crivo de aprovação de todos os julgadores envolvidos na lide, uma vez que a decisão foi referendada por unanimidade da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
O artigo 1.634, I e II do Código Civil, ao tratar das relações de parentesco, é explícito ao abordar as competências obrigacionais de ambos os pais, independente de situação conjugal. Trata-se do exercício do poder familiar em relação a seus filhos, lhes cabendo:
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
I – dirigir-lhes a criação e a educação; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584 ;
No mesmo sentido, o artigo 229 da Carta Magna, nos ensina os deveres dos pais, consagrando assim o princípio constitucional da paternidade responsável, ao dizer que é dever dos pais assistir, criar e educar os filhos menores, no mesmo raciocínio, o 1.566, IV do Código Civil que complementa a redação constitucional ao afirmar que é dever de ambos os cônjuges o sustento, guarda e educação do filho. Em que pese o texto se valer da palavra cônjuge, se entende de forma expansiva e correta, que o dever não está associado somente ao casamento.
O artigo 227 da Constituição Federal por sua vez, nos ensina que: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de protege-los de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Importante pontuar, que houve inclusive decisão do STJ em 2005 a respeito da possibilidade de indenização por abandono afetivo, com fixação de indenização em 200 mil reais, o que demonstra que foi feita uma análise do binômio necessidade x possibilidade no caso, uma vez que se tratava de um pai com amplas condições financeiras e com verdadeira ausência de vínculo afetivo, vínculo este, que no cenário apresentado já não se reestruturaria mais, assim, tal como o pai fez durante a vida inteira de sua família, o afeto foi substituído por dinheiro para punir e educar o genitor.
E aqui, cabe pontuar que a relação entre as partes do caso acima já se encontrava totalmente deteriorada, de modo que o ajuizar da ação ou ainda a condenação do genitor, não são a razão pela qual o relacionamento poderia piorar, vez que não existia relacionamento.
Portanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao recentemente se manifestar pela condenação do genitor em função do abandono afetivo de sua filha, decide olhando o ordenamento jurídico como um todo, em conjunto às demais fontes de direito, impõe não só penalidade pecuniária, mas também educacional, ao mandar uma mensagem para os demais membros da sociedade elucidando que a paternidade não se satisfaz com mera contribuição financeira.
Fernando Marques Villaça – Bacharel pela Universidade Mackenzie Campinas (SP) e Advogado Cível no escritório Yuri Gallinari Advogados.