Em 6 de junho de 2025, a Gol Linhas Aéreas encerrou sua recuperação judicial nos Estados Unidos, conduzida sob o conhecido Chapter 11. O feito marca um importante capítulo na história da aviação brasileira e nos convida a refletir: como uma empresa de grande porte conseguiu se reestruturar e sair do processo em menos de um ano, enquanto no Brasil muitas recuperações se arrastam por anos sem resultados concretos?
O presidente da companhia, Celso Ferrer, já anunciou que o novo ciclo será de expansão de frota, novas rotas e consolidação operacional, tanto no mercado interno quanto no internacional. A Gol pretende atingir, até 2026, a mesma capacidade operacional que tinha em 2019 — o que inclui a retomada de aviões que estavam parados, a renovação da frota com aeronaves Boeing 737 MAX e o reforço do caixa, atualmente com US$ 900 milhões disponíveis.
Essa agilidade contrasta fortemente com a realidade brasileira, onde o processo de recuperação judicial, apesar de bem-intencionado, enfrenta inúmeros obstáculos estruturais, culturais e estratégicos.
Como advogada atuante na reestruturação de empresas, levanto aqui cinco pontos que explicam parte dessa diferença — e que podem servir como reflexão para empresas brasileiras que enfrentam dificuldades:
1. Timing do pedido
Nos EUA, o Chapter 11 é utilizado com antecedência estratégica, quando a empresa ainda tem fôlego financeiro e margem de manobra. No Brasil, infelizmente, muitas empresas recorrem à recuperação judicial apenas quando o caixa já está estrangulado — o que limita severamente as chances de sucesso.
2. Planejamento e previsibilidade
Uma recuperação bem-sucedida exige visão de fluxo de caixa, mapeamento de produtos e um plano realista desde o início. A falta de preparo e de alinhamento com a realidade operacional compromete o processo desde o protocolo.
3. Reestruturação organizacional de verdade
Mais do que uma renegociação de dívidas, a recuperação judicial precisa envolver reestruturação interna, redução de custos fixos, ajustes na operação — sem perder a qualidade do produto ou serviço. É uma reforma, não apenas um alívio financeiro.
4. Integração entre consultoria e jurídico
Nos EUA, é comum ver assessoria jurídica e consultoria empresarial atuando em conjunto, com foco em resultados concretos. No Brasil, muitas vezes essas frentes caminham de forma desarticulada, o que prejudica a execução do plano e a comunicação com os credores.
5. Cultura empresarial e social
Por fim, e talvez mais importante, está a cultura. Nos Estados Unidos, recuperar-se judicialmente não é visto como fracasso, mas como um caminho legítimo de reorganização. Aqui, ainda enfrentamos o estigma de que pedir recuperação é sinônimo de “quebra” — o que inibe empresas, investidores e até profissionais de atuarem com a devida agilidade e clareza.
A recuperação da Gol nos EUA é um exemplo prático de que é possível sair mais forte de uma crise, desde que haja estratégia, coragem e, principalmente, estrutura institucional para isso.
Que essa experiência inspire mudanças no nosso ecossistema jurídico empresarial e fortaleça a confiança nas ferramentas de reestruturação que temos à disposição.
Nathália Albuquerque Lacorte Borelli. Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP. Pós-graduada em Gestão e Estratégia Empresarial na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Pós-graduada em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Membro da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/ Campinas. Membro do Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial – CMR. Membro da IWIRC – Brasil. Membro da Comissão de Direito Bancário – nathalia@ygadv.com.br