Muito se fala sobre as moedas digitais, NFT’s e o metaverso. Seria possível o devedor começar a dissipar seu patrimônio nos acervos intangíveis? É possível rastrear as moedas digitais? Uma conta de um video game que vale muito, pode ser penhorada?
Certo é que a justiça precisa acompanhar as mudanças que ocorrem em nosso cotidiano. Assim o Projeto de Lei 1.600/2022, ora em trâmite na Câmara dos Deputados, que, dentre outras alterações legislativas, dispõe sobre a penhora de criptoativos.
Na leitura do aludido projeto, tenta-se conceituar a natureza dos criptoativos, bem como a possibilidade de a execução forçada recair sobre tais bens.
É fato que toda nova tecnologia tem o mesmo problema- a adaptabilidade dos seus usuários, a clareza das regras do jogo e de como os usuários devem se comportar.
O grande ponto para penhora de ativos digitais é que para conseguir penhorar desses, a moeda precisa ser criptografada.
Para tanto, temos a tecnologia Blockchain que é uma base compartilhada de dados que faz o registro e validação de transações digitais, trocas de informações processadas por usuários de uma rede descentralizada de computadores.
A Justiça brasileira vem permitindo a penhora dos acervos digitais. O Tribunal de Justiça de São Paulo[1] já pontuou que há regulamentação e controle dos ativos virtuais, sobretudo por agências internacionais e respectivos marcos regulatórios, e tais agências devem manter transparência e prestar informações, quando requisitado pela justiça.
Além disso, o artigo 789 do Código de Processo Civil dispõe que o devedor responde com todos os seus bens para o cumprimento de suas obrigações, ou seja, não há nenhuma vedação legal que impeça a penhora dos criptoativos.
O grande problema, como dito acima, é o rastreio da moeda digital. Por exemplo, o dinheiro em espécie (notas e moedas) guardado pelo devedor, sob certo ponto de vista, tem a mesma natureza de uma cold wallet[2] também irrastreável. Aqui nota-se a mesma dificuldade de penhorar tais valores, mesmo que não se tenha a senha do cofre (ou da chave pessoal da cold wallet).
Outro ponto a merecer análise diz respeito à conversão em moeda corrente (fiduciária) dos criptoativos penhorados, e a complementação da penhora (cf. artigo 835, §6º, I, do CPC, na redação sugerida pelo Projeto de Lei aqui analisado). Algumas dúvidas: havendo a correção de preço realizada pelo mercado pela alta volatilidade dos ativos, quando os valores não corresponderem ao valor executado, caso se, depois da conversão, houver a valorização exacerbada dos ativos, deverá ocorrer compensação? Haverá correção do valor? A execução terá sido assegurada? Haverá excesso de execução?
O que se verifica é que são vários questionamentos, ainda sem respostas. No entanto, já há uma mudança no Judiciário quanto à possibilidade e mecanismos de penhora de criptoativos.
Nathália Albuquerque Lacorte Borelli. Advogada formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP. Pós-graduada em Gestão e Estratégia Empresarial na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Pós-graduanda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pós Graduanda em Gestão de Negócio pela Fundação Dom Cabral. Membro da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/ Campinas. Membro do Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial – CMR. Membro da IWIRC – Brasil nathalia@ygadv.com.br
[1] (TJSP, Agravo de Instrumento 2127776-80.2022.8.26.0000, relator desembargador César Zalaf, 14ª Câmara de Direito Privado, j. 27/07/2022).
[2] é uma carteira para criptomoedas que armazena as chaves públicas e privadas fora do ambiente digital. Ou seja, essas soluções de armazenamento não se utilizam da internet, e por isso são mais seguras contra ataques de hackers e problemas nos servidores