RECUPERAÇÃO JUDICIAL – FUNDAÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS

A Lei 11.101 de 2005, regula a Recuperação Judicial, a Recuperação Extrajudicial e a Falência.

Em seu artigo inaugural, o legislador nos brindou com a informação acerca dos destinatários da legislação em questão. Veja-se:

Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.

Por seu turno, na sequência, o artigo 2º da legislação supramencionada listou a quem não se aplica a norma em comento. Veja-se:

Art. 2º Esta Lei não se aplica a:

I – empresa pública e sociedade de economia mista;

II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

Nesta seara, perdurava a discussão a respeito da possibilidade das fundações sem fins lucrativos serem beneficiadas pela concessão da Recuperação Judicial, eis que não estão listadas no artigo 2º, destinado ao rol daquelas que foram excluídas do grupo alvo da Lei 11.101 de 2005.

Assim, visando dirimir a controvérsia, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente por incluir as fundações sem fins lucrativos no rol do artigo 2º, de modo que a Recuperação Judicial das fundações, passou a ser inadmitida aos olhos da 3ª Turma da Corte Superior.

Devemos destacar, que a decisão em questão contraria o entendimento adotado previamente pela Corte Superior no julgamento do REsp 1.004.910, na qual a 4ª Turma, proferiu decisão que autorizou o processamento de Recuperação Judicial de uma associação civil.

O artigo 47 da Lei 11.101 de 2005, nos ensina sobre o princípio que rege a Recuperação Judicial:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Deste modo, ao falar que o objetivo é o estímulo à atividade econômica, colocou-se em xeque a participação das fundações sem fins lucrativos, eis que, nos termos do artigo 966 do Código Civil a sociedade empresária é aquela que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços.

Logo, por se tratar de fundação sem fins lucrativos remove-se e sua concepção a característica de sociedade empresária. Veja-se:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Neste sentido, em julgamento do REsp nº 2038048/MG, o voto proferido se escorou no fato de que o artigo 1º da Lei 11.101 de 2005 não incluiu as fundações e associações sem fins lucrativos, bem como que o artigo em questão não foi alterado na discussão realizando quando elaborada a Lei 14.112 de 2020.

Sob este prisma, concluiu-se que o legislador não desejou a inclusão de fundações e associações sem fins lucrativos. Não obstante, necessário relembrar que o legislador também não incluiu no artigo 2º, que retiraria tal possibilidade das fundações e associações sem fins lucrativos.

Ainda, o aspecto fiscal recebeu atenção na decisão em questão, destacando que a Recuperação Judicial já é um incentivo ao empreendedor que decide utilizar seu patrimônio para a geração de riquezas, garantindo que eventual crise financeira tenha possibilidade de ser superada, e que, por estas riquezas serem compartilhadas com a sociedade, seria possível a imposição de alguns ônus à coletividade para colaborar com o soerguimento empresarial, o que não poderia ocorrer nas Fundações sem fins lucrativos.

Não obstante, necessário pontuar que as Fundações, ainda que sem fins lucrativos, possuem o condão de promover uma causa ou prestar um serviço, o que foi pontuado inclusive na decisão sob análise.

Ora, se a função social é a promoção de uma causa ou serviço, ainda que sem fins lucrativos, mas que só terão adesão com o interesse social, nos parece bastante razoável o entendimento de que, os lucros eventualmente auferidos pela fundação sem fins lucrativos e reinvestidos na função social de prestar um serviço ou promover uma causa de interesse da coletividade, reverte socialmente tal qual a reversão pecuniária.

Vejamos que a lógica adotada na decisão que afastou a possibilidade das fundações em fins lucrativos de serem beneficiadas pela Recuperação Judicial, desconsidera integralmente a teoria do agente econômico.

A teoria em questão serve para referenciar pessoas físicas ou jurídicas que por suas ações, independentemente de lucro, contribuem para o funcionamento da economia. Assim, veja que a fundação sem fins lucrativos em que pese não auferir lucro para si, pode servir como empregadora por exemplo, movimentando a economia, tanto como uma sociedade empresária com fins lucrativos.

Logo, impossibilitar uma fundação de se socorrer ao Poder Judiciário para o seu soerguimento econômico, impacta diretamente as pessoas físicas e jurídicas que mantêm relações, especialmente de cunho financeiro, com tais estabelecimentos sem fins lucrativos. Afinal, se não há como se soerguer, não há como gerar os benefícios sociais para as quais foram criadas.

De toda forma, em casos envolvendo Recuperação Judicial, recomenda-se buscar profissional especializado para que este possa auxiliar na condução da situação da melhor maneira.

São Paulo/SP, 11 de outubro de 2024.

Fernando Marques Villaça – Bacharel em Direito pela Universidade Mackenzie, Advogado na área Cível e de Reestruturação Empresarial do escritório Yuri Gallinari Advogados. e-mail: fernando@ygadv.com.br